“Necessário vos é nascer de novo. O Espírito sopra onde quer. A ação do
Espírito Santo no Brasil e no mundo. MC: Sopro do Espírito”.
A Igreja que nasce de novo pela Ação do Espírito Santo.
Dom Benedito Beni dos Santos
1. Quem
é o Espírito Santo?
Saber quem é Jesus Cristo não é difícil. Ele é o
Verbo encarnado. O Filho de Deus que assumiu a nossa natureza e condição
humana. São João, em sua primeira carta, se refere ao Verbo da Vida, que nossos
olhos viram, nossos ouvidos ouviram e nossas mãos apalparam (cf.1Jo, 1,1). Nada
disso pode ser dito do Espírito Santo, pois Ele não se encarnou, não assumiu um
rosto humano. Permanece para sempre na condição de espírito. Sua “quenosis”
(escondimento) é mais profunda que a do Filho. O Filho, em sua
“quenosis,”assumiu um rosto humano, recebeu um nome: Jesus. O Espírito Santo,
ao revelar-se, não assumiu um rosto humano. Não recebeu um nome. Espírito
também o Pai e o Filho são. Santos ambos também o são. A teologia sempre
encontrou dificuldade para atribuir um nome à terceira Pessoa da Trindade
Santíssima. S.Agostinho, partindo do fato de que a terceira Pessoa da Trindade
é o dom eterno do Pai ao Filho, atribui-lhe o nome de Dom. O Espírito Santo é
pois Deus, que vem até nós, como presente, como Dom. É, na verdade, como
observou um teólogo anglicano, Dom de doação. Dom que produz em nós outros
dons.
Mas quem é o
Espírito Santo? Jesus, em sua pedagogia de mestre, usou diversos símbolos para
mostrar quem é Ele. Jesus comparou o Espírito Santo ao vento(cf.Jo 3, 8).
Ninguém vê o vento. Mas ninguém duvida que o vento existe por causa dos efeitos
que ele provoca. O vento refresca os nossos corpos. Sacode os galhos das
árvores. Move embarcações.Sabemos que o Espírito Santo existe por causa dos efeitos que provoca em nossa vida. Jesus o comparou também com a água.
A água é fonte de vida.
Sem água não existe vida para as plantas, para os animais, para os seres
humanos. Sem água, a terra se transformaria num deserto. A água viva, que Jesus
prometeu à Samaritana(cf.4, 10), designa o Espírito Santo e também o dom da fé
na pessoa de Jesus, que só é possível pela ação do mesmo Espírito. O autor do
quarto evangelho nos mostra Jesus presente, em Jerusalém, por ocasião da festa
das tendas. E, no dia mais solene da festa, ele se coloca na porta principal do
templo e exclama solenemente: “Se alguém tem sede, venha a mim e beba. Quem crê
em mim, como diz a Escritura, de seu seio jorrarão rios de água viva”(Jo 7,
37-38). E o evangelista teólogo observa: “Ele falava do Espírito que deviam
receber os que nele cressem; pois não havia ainda Espírito” (Jo 7, 39), ou
seja, o Espírito ainda não havia sido dado. Também a água que jorrou do coração
de Jesus, aberto, na cruz, pela lança do soldado (cf.Jo 19, 33), é um símbolo
do dom do Espírito. O Espírito Santo é pois semelhante à água. É ele que nos
comunica a vida que vem do alto: “Quem não nasce da água e do Espírito não pode
entrar no reino de Deus” (Jo 3, 5).
2.
Jesus Cristo, um evento do Espírito Santo.
Jesus de Nazaré é um evento do
Espírito Santo. Ele foi concebido pela ação do Espírito (cf.Lc 1,35).
Cresceu cheio de graça e verdade ( cf. Lc 2, 52),
isto é, pleno do Espírito Santo. Segundo o quarto evangelho, ele possuía o
Espírito sem medida (cf.Jo, 16, 14). No batismo, o Espírito Santo posou sobre
ele para revesti-lo de sua messianidade (cf Lc 3, 22). A força para cumprir a
sua missão não provinha do cargo, mas da presença do Espírito. Impelido pelo
Espírito, ele se dirigiu ao deserto a fim de preparar-se, num retiro de
quarenta dias, para iniciar a sua missão. No deserto, observa S. Lucas, ele era
conduzido pelo Espírito. Na força do Espírito, venceu todas as tentações que
procuravam desviá-lo de sua missão de Messias redentor (cf Lc 4, 1-13).
Impelido pelo Espírito, voltou a Nazaré, para iniciar, na sinagoga de sua
cidade, a sua missão. Ali anuncia o cumprimento da profecia messiânica: “O
Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me ungiu para evangelizar os
pobres” (Lc 4, 18). Tudo o que se realizou, naquele dia, na sinagoga de Nazaré,
foi uma síntese de toda a vida de Jesus. Na força do Espírito, ele não só prega
a Palavra, mas também realiza seus prodígios. Afirma o quarto evangelho que, ao
transformar a água em vinho novo nas bodas de Cana, ele manifestou a sua glória
(cf. Jo 2, 11), ou seja, manifestou o Espírito agindo nele. O evangelho afirma
que de Jesus saía uma força que curava a todos. Tratava-se do Espírito Santo
nele presente e que dele saía para operar ao seu redor. É, pela força do Espírito, que ele expulsa os
demônios( cf. Mt, 12, 28 ). Na alegria do Espírito, orou para agradecer ao Pai
o sucesso da missão dos discípulos (cf. Lc 10, 21-22).Movido por um Espírito
eterno, segundo a carta aos Hebreus, ele entregou a sua vida na cruz (cf.Hb 9,14).
Mas, antes de morrer, entrega o Espírito à sua comunidade, representada ao pé
da cruz (cf. Jo 19, 30). E a missão
terrestre de Jesus só termina com o envio do Espírito Santo em Pentecostes.
3. A Missão do Filho e a missão do
Espírito.
A
missão do Filho e a missão do Espírito são diferentes. O Filho age enquanto
Verbo encarnado. O Espírito Santo age de modo diferente, pois ele não se
encarnou. Ambas as missões porém são complementares e iguais em dignidade e
valor.
O Espírito é o intérprete de
Cristo. Ele não diz novas Palavras, mas torna sempre nova a Palavra de Cristo.
Faz com que sua Palavra seja compreendida, interiorizada e obedecida. Faz com
que sua Palavra se torne história.
Missão do Espírito
ainda é fazer com que todas as pessoas se tornem discípulas de Cristo e vivam
em comunhão com Ele. “Ninguém pode dizer, escreve São Paulo, Jesus é o Senhor a
não ser no Espírito”( 1Cor 12,3).Dizer Jesus
é o Senhor não consiste apenas realizar a profissão fundamental da fé.
Significa fazer de Jesus o Senhor de
nossa vida. Entregar a Ele a nossa vida.
Fazer com que ele governe a nossa vida, os nossos pensamentos, sentimentos, a
nossa conduta, os nossos projetos.
3.
A Igreja: Corpo de Cristo e Templo do Espírito Santo.
A Lumen Gentium, seguindo a tradição
patrística, mostra que a Igreja tem uma longa história. Ela é componente do
projeto salvífico de Deus e, por isso mesmo, esteve em processo de gestação em
toda a história da salvação. Foi prefigurada desde o início da criação. Foi
preparada na história de Israel. Foi fundada nos últimos tempos. Foi
manifestada ao mundo no dia de Pentecostes( cf.LG, n.2). Examinemos o sentido
de cada uma dessas afirmações. A Igreja foi prefigurada desde o início da
criação naquelas alianças que Deus realizou com representantes da humanidade
como, por exemplo, Abel e Noé. Dessas alianças surgiram verdadeiras
experiências religiosas. Algo dessas experiências –a adoração de Deus, a busca
da salvação- passou para a Igreja de Jesus Cristo.
A Igreja,
continua o texto da Lumen Gentium,
foi preparada na história do Povo de Israel. Do antigo Israel a Igreja herdou
as Escrituras do Antigo Testamento. Eram as únicas Escrituras que a comunidade
apostólica possuía. Ela tornou-se mestra em fazer a leitura cristológica do
Antigo Testamento. Muita coisa da liturgia da sinagoga passou para a Igreja de
Jesus Cristo.
A Igreja foi
fundada nos últimos tempos, ou seja, no tempo do Jesus histórico e no tempo do
Cristo pascal. Durante o seu ministério público, Jesus colocou diversos atos
fundantes da Igreja: a escolha dos Doze, a oração dominical ensinada aos
discípulos, a missão conferida a Pedro de ser o fundamento visível da sua
comunidade messiânica e, sobretudo, a instituição da Eucaristia, na qual, o
cordeiro pascal foi substituído por seu próprio corpo e o cálice da antiga
aliança pelo cálice da nova aliança no seu sangue. Assim como Israel tornou-se
o Povo de Deus a partir da antiga aliança no Sinai, Jesus, ao celebrar na Ceia
uma nova aliança, deu origem ao novo Povo de Deus. Ato fundante da Igreja foi
também a experiência pascal. A Igreja faz parte da novidade que a ressurreição
do Senhor provocou na história. Desde que houve um grupo de homens e mulheres,
que acreditou na ressurreição de Jesus, temos algo completamente novo com
relação ao antigo Israel.
A Igreja porém
só acabou de nascer, só foi inaugurada e mostrada ao mundo no dia de
Pentecostes, quando a comunidade dos discípulos de Jesus, recebendo o dom do
Espírito Santo, se transformou em movimento missionário. Sem o dom do Espírito
Santo, a Igreja não existiria. A Igreja é, ao mesmo tempo, o corpo de Cristo e
o templo do Espírito Santo. É o que nos mostra o livro dos Atos dos Apóstolos.
Lucas narra não apenas um Pentecostes, mas quatro Pentecostes sucessivos: o
Pentecostes da inauguração da Igreja (cf. At, 2, 1-12); o Pentecostes da Igreja
de Jerusalém ( cf. At 4, 31); o Pentecostes da entrada dos gentios na Igreja
(cf. At 11,15) ; e o Pentecostes da Igreja de Éfeso( cf.At 19, 1-6). Com a
narração destes quatro Pentecostes, Lucas mostra que o dom do Espírito Santo
acontece em toda a vida da Igreja.A Igreja não nasce de baixo. Nasce do alto.
Ela é graça. É dom do Espírito Santo. A Igreja não existe sem o Espírito Santo.
Quando a comunidade envia Paulo e Barnabé em missão, diz o livro dos Atos que
eles foram enviados pelo Espírito Santo (cf.At 13,2). Quando Ananias e Safira
mentem à comunidade e são castigados de morte, afirma o livro dos Atos que eles
mentiram ao Espírito Santo ( cf.At.5,3) . Mentir pois à Igreja é mentir ao
Espírito Santo. A assembléia dos Apóstolos, chamada de primeiro concílio,
termina com essas palavras: pareceu bem ao Espírito Santo e a nós determinar o
seguinte... (cf. At 15,28).Quando a Igreja determina é o Espírito Santo quem
determina.
A Igreja, que
nasceu católica em Pentecostes, porque nasceu missionária, é levada, através da
missão, às diversas partes do mundo. Por isso mesmo, a missão é a mais
importante causa da Igreja. É a causa das causas, porque está ligada ao projeto
salvífico de Deus. Segundo o decreto Ad
Gentes do Vaticano II, a missão é a expressão do desígnio salvífico de
Deus. É a realização pública da história da salvação. Já no Antigo Testamento,
está presente a missão. A escolha de Israel para tornar-se o Povo de Deus não
foi um privilégio, mas uma vocação, um chamado para ser povo missionário.
Segundo uma lenda rabínica, no Sinai, a voz de Deus se fez ouvir. Essa voz se
dividiu em sete vozes e, em seguida, em setenta vozes. No tempo da revelação no
Sinai, pensava-se que os povos da terra fossem em número de setenta. No Sinai,
pois, Israel se torna depositário da revelação de Deus a fim de anunciá-la a
todos os povos da terra. Torna-se pois um povo missionário.
No Novo
Testamento, a primeira coisa que faz Jesus, quando inicia o seu ministério na
Galileia, é reunir discípulos. Jesus não é missionário sozinho, mas junto com
seus discípulos. No tempo de Jesus, também os rabis tinham discípulos: pessoas
que os procuravam para servi-los e aprender as lições da Torá. Ser discípulo de
um rabí era sinal de prestígio social. Jesus também tinha discípulos mas em
condições totalmente diferentes. Era Jesus quem chamava os seus discípulos. Ser
discípulo era uma vocação. Jesus tinha discípulos não para servi-lo, mas para
prepará-los para a missão. Preparação teórica e prática. Aos Doze, como mostra
o evangelho, Jesus dava instruções especiais. A preparação era também prática.
No evangelho de Mateus, Jesus envia os Doze em missão( cf.Mt.10, 1-17). No
evangelho de Lucas, envia setenta e dois discípulos em missão( cf. Lc 10,
1-16). No tempo em que Lucas escreveu o evangelho, julgava-se que os povos da
terra fossem em número de setenta ou setenta em dois. Lucas quer sublinhar, com
esse número, o universalismo do evangelho: deve ser anunciado a todos os povos
da terra. Os evangelhos terminam com Jesus enviando os discípulos em missão.
Ele vai para o céu, mas a missão não termina. Deve ser continuada pela Igreja,
comunidade de seus discípulos.
Sem o dom do
Espírito Santo, não existe a missão. O Espírito Santo move, como aconteceu em
Pentecostes, os pés do missionário. Segundo o decreto Ad Gentes, o Espírito desperta, nas pessoas, o espírito missionário
como despertou em Jesus. Ele dirige toda a atividade missionária da Igreja. Na
realidade, ele é o primeiro missionário, aquele que chega antes de todos para
preparar o terreno. Por isso mesmo, a missão não é uma superestrutura
acrescentada à cultura e à vida de um povo. Ela é resposta a uma busca.
Consiste em lançar a semente da Palavra no terreno preparado pelo Espírito
Santo. A finalidade da missão é suscitar, pela ação do Espírito, as Igrejas
locais, destinadas a continuar a obra missionária de Jesus. Pela atividade missionária,
a Igreja que nasceu em Pentecostes pela ação do Espírito, renasce em todas as
partes do mundo.
Atualmente,
está havendo na Igreja, pela ação do Espírito, um novo despertar da consciência
missionária. Expressão desse novo despertar, em âmbito nacional, é o projeto
elaborado pela CNBB: Queremos ver Jesus,
caminho, verdade e vida. Expressão desse
novo despertar da consciência missionária, em âmbito de Regional Sul 1,
é o Pamp, Projeto de Ação missionária
permanente. Hoje, na civilização urbana, a paróquia, como comunidade acolhedora
, já não atinge a todos. Para que ela possa atingir a todos, é necessário que
ela se torne comunidade missionária, comunidade que sai ao encontro das pessoas
nos diversos espaços sociais: a família, a escola, os hospitais, as prisões, as
ruas etc.
Fazer da
paróquia urbana uma comunidade missionária não é fácil, pois a missão sempre
enfrenta obstáculos como nos mostra a primeira história da missão – o Livro dos
Atos dos Apóstolos. Nas origens, a missão enfrentou o obstáculo da perseguição,
da magia, da idolatria, da longas distâncias a serem enfrentadas com meios
rudimentares. Hoje, ela enfrenta os obstáculos do secularismo, do consumismo,
da idolatria do mercado, do hedonismo. Na encíclica Redemptoris Missio, João Paulo II recorda que os maiores e os mais
difíceis obstáculos se encontram no interior da Igreja: acomodação,
passividade, falta de idealismo e
de iniciativas. Mas, como nos mostra o Livro dos Atos, a missão vence, na força
do Espírito, todos os obstáculos. O Espírito, que transformou, em Pentecostes,
a comunidade dos discípulos de Jesus em movimento missionário, garante o
sucesso da missão. Mas, o sucesso da missão não é a recompensa do missionário.
O sucesso não deve ser atribuído a ele, mas ao Espírito divino. Qual é pois a
recompensa do missionário? A resposta foi dada por Jesus. Quando os setenta e
dois discípulos, por ele enviados, voltaram cheios de alegria pois a missão
tinha sido um sucesso, Jesus recordou-lhes que a recompensa do missionário não
é o sucesso. Sua recompensa é ter o nome escrito no céu pelo dedo de Deus.
Dom Benedito Beni dos Santos
Nenhum comentário:
Postar um comentário