Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida
para o MC e o mundo
Pe. João Pedro
Cornado, SJ
Eu sou o Caminho, a Verdade e a
Vida
do MC de Assis e do mundo
do MC de Assis e do mundo
I
CONGRESSO INTERNACIONAL
do
Movimento Carismático de Assis
Santa Maria degli Angeli
6 – 9 de julho de 2001
Centro
de Estudos do MC de Assis
Salvador 2003
Apresentação
Um dos acontecimentos mais importantes, na história do Movimento Carismático de Assis, foi o primeiro congresso internacional, realizado no ano de 2001na Itália, em Santa Maria degli Angeli, povoado cerca de Assisi, terra de S. Francisco.
Sugerido por locução pelo Senhor, este evento tornou-se inicialmente motivo de grande perplexidade, pois parecia impossível realizá-lo, sobretudo para nós brasileiros, que tínhamos que viajar até lá. Mas o que parecia impossível aos homens, tornou-se realidade pela graça de Deus, que conduz este seu movimento, sobretudo em circunstâncias mais difíceis como a realização dos congressos.
Oferecemos aos nossos amigos, por enquanto, a conferência dada pelo Pe. João Pedro Cornado, SJ , nosso Diretor Responsável pelo MC de Assis no Brasil, na certeza de poder oferecer quanto antes todas as palestras e debates que se realizaram naquele congresso.
Pe. João Pedro tentou aplicar ao mesmo Movimento o tema, proposto pelo Senhor, para que cada membro do MC de Assis soubesse entender o que significa na vida de cada consagrado seguir Jesus, caminho, verdade e vida, dentro do contexto atual.
Como sempre, a cada parte da palestra está subjacente
uma série de locuções, dadas à Franca,
fundadora do MC, sobre as quais o autor se detêm para aprofundar o tema
proposto e ajudar-nos a conhecer algo mais desta rica fonte, que é a
espiritualidade do MC.
Desejamos que os grupos do MC, os amigos e simpatizantes do Movimento, possam usufruir deste trabalho e sentir-se atraídos cada vez mais por Aquele que é o Caminho a Verdade e a Vida de todos nós.
Centro de Estudos do MC de Assis
Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida para o MC e o mundo
INTRODUÇÃO
Não é empresa
fácil relacionar os seis elementos do tema deste nosso congresso: Eu Sou,
caminho, verdade, vida com é (presente), era (passado), vem (futuro) dentro de
nossa vida de MC, de sua espiritualidade e de sua missão.
Somos convidados
inicialmente a refletir sobre a vivência atual da fé cristã, do testemunho que
nós cristãos estamos dando, diante dos desafios do nosso mundo moderno; depois,
na contemplação do Cristo, como é apresentado nos evangelhos, seremos capazes de enfim sublinhar a
relevância da proposta cristã, em termos de futuro do mundo.
Devemos
prestar atenção, quando se fala do “aquele que era” referido a Jesus, de evitar
uma linguagem abstrata e complicada, que para a origem eterna de Jesus, etc.,
que mais pode atrapalhar do que ajudar; assim como, quando falar de futuro, “o
que vem”, é bom evitar de descambar para um escatologismo apocalíptico e
messiánico, que produz medo e bloqueia as pessoas, ao invés de motivá-las para
a ação.
Neste
momento, convido os meus irmãos e irmãs do
MC a repensar as experiências extraordinárias com as quais lidamos no
dia a dia, de modo a não dar origem a uma espiritualidade desencarnada, que
busca o espetacular e se descuida da missão que temos de transformar nosso
mundo, a partir da fé em Jesus Cristo Caminho, Verdade e Vida. Em outras
palavras, é preciso evitar que os membros do MC sejam vítimas daquele euforismo
carismático que em muitos ambientes parece tomar conta, pelo menos, de muitas
igrejas católicas e pentecostais, assim como de certos movimentos
carismáticos.
Neste
sentido, este nosso Congresso nos oferecer a oportunidade de analisar o
conteúdo do nosso Movimento, procurando nele os apelos de Deus para nós hoje no
seguimento de Jesus Cristo. Assim o MC poderá ser um Movimento relevante em
termos cristãos e poderá oferecer sua colaboração para a missão da Igreja, no
mundo a ser evangelizado.
EU SOU
I.
EU SOU
Quando Deus quer intervir diretamente na história da
humanidade, Ele se faz presente através de seus profetas, aos quais anuncia o
que Ele quer realizar. São os seus profetas os porta vozes diante do povo, das
iniciativas ou das intervenções que o Senhor quer tomar para corrigir ou
libertar o seu povo, de tudo que pode pedir o seu projeto de amor. Foi assim ao longo da história do povo de
Israel e assim continua sendo na história do povo de Deus e da sua igreja hoje.
São intervenções por parte do Senhor, que não
limitam a liberdade do homem e da mulher, nem impõem escolhas pré
estabelecidas, mas indicam passos a serem dados, inovações a serem
introduzidas, correções de rota a serem feitas. É justamente o mistério do
encontro da liberdade humana com a liberdade de Deus, no qual ambas não se
contrapõem, mas atuam no amor que une o Senhor às suas criaturas.
Historicamente o Senhor se apresenta através de
pessoas escolhidas, os seus profetas, que denunciam ao povo seus pecados, seus
erros e anunciam valores novos ou antigos que foram esquecidos e que são necessários
para redescobrir o caminho certo que Deus aponta para o seu povo. Suas intervenções não são dirigidas
diretamente às autoridades, ao Faraó, aos sacerdotes do povo, mas aos profetas
que são informados das novidades de Deus que devem ser anunciadas. Mas o
profeta não tem poder para agir, só pode anunciar. Cabe então a quem detém o
poder discernir, avaliar e por em prática o que for percebido como vontade de
Deus.
Assim Moisés
foi enviado ao Faraó, para pedir a libertação do povo de Deus, assim Franca foi
enviada a Hierarquia da igreja católica para anunciar o Movimento Carismático
de Assis. Na comparação dos dois casos, quero sublinhar como não muda a forma
de Deus atuar, como o seu modo de agir é sempre o mesmo, porque Ele é fiel ao
seu povo. A partir do seu contexto, os mesmos sinais e passos se repetem na
vida de Moisés e de outros profetas.
O paralelo
entre Moisés e Franca pode nos ajudar a perceber como o Senhor é fiel ao longo
da história, como o Eu Sou é o caminho que seu filho Jesus nos ensina para
partilhar com Ele de seu amor e de sua vida plena. Ao mesmo tempo, este
paralelo nos ajuda a perceber que o EU SOU e Deus de Abraão, Isaac e Jacó é o
mesmo que atua hoje no Movimento Carismático de Assis, através de Franca e de
todos nós.
Paralelo entre Moisés e Franca
É interessante fixar a nossa atenção sobre a maneira
de Deus chamar Moisés para a missão que lhe queria confiar. É justamente neste
momento que se nos revela o Eu Sou, o nome de Deus, pelo qual Moisés fez
maravilhas e pelo qual os apóstolos anunciaram a Boa Notícia de Jesus. Ainda é
neste nome que hoje outras maravilhas acontecem no mundo e na Igreja de Jesus
Cristo. Vamos acompanhar os passos que nos levam a descobrir o Eu Sou presente
por Moisés na história do povo de Israel e presente na nossa história do MC por
meio de Franca.
1.
Deus atrai a sua atenção através de um fenômeno surpreendente, a
sarça ardente. O surpreendente não é a
sarça que queima imprevistamente, mas o fato dela não se consumir, é isso que
chama a atenção de Moisés.
Também Franca
foi surpreendida por um fenômeno maravilhoso e surpreendente, a visão do braço
luminoso, que a acompanhava durante o seu serviço domestico de limpar o chão.
Era um braço luminoso que Franca não tem palavras para descrever.
2.
Moisés recebe uma
missão: “Eu ouvi o clamor do meu povo... vai eu te envio para fazer
sair do Egito o meu povo”. Diante desta
missão, Moisés sente toda a sua pequenez e se pergunta “Quem sou eu para ir ao
Faraó e fazer sair do Egito os filhos de Israel”?
Também Franca
recebe um chamado para uma missão. “Franca, te chamo a coisas grandes”. No começo ela não entende, nem sabe o que
significa este chamado, que aos poucos irá se identificar com a missão de
reunir todos os confidentes do Senhor, num só movimento, para apresentá-los a
Hierarquia da Igreja. Franca também fica
perplexa na consciência do seu nada.
Quer colocar o seu nada nas mãos de Deus, por isso reza uma prece
recebida por locução “Eis me aqui Senhor,
podes fazer de mim a tua obra prima.
Podes revolver-me, podes seduzir-me. Eis me estou aqui. Valho pouco, mas
sou tua. Estou pronta a amar-te, estou
pronta a seguir-te, estou pronta a servir-te”.
3.
Moisés, consciente de sua pequenez e, a confirmação de
sua missão e como prova que Deus estará com ele, recebe agora um sinal. Aliás, são três sinais
mais imediatos e visíveis que o Senhor oferece a Moisés para confirmar a sua
missão: o da vara que se transforma em cobra; o da mão que se torna leprosa e
logo sara e o da água do rio que se transforma em sangue (Ex. 4,1-9).
Para Franca os
sinais foram dados segundo os pedidos de Pe. Giustino, seu padre espiritual,
que lhe comunica ser necessário ter milagres
para que a Hierarquia possa acreditar na missão dela. Todos nós conhecemos os fatos. Primeiro
acontece o milagre de Pierina Gilli, orientada espiritualmente por Pe.
Giustino, que depois de vinte anos, volta a ter, de novo, aparições de Nossa
Senhora, sob o título da Rosa Mística, realizando assim as expectativas do seu
padre espiritual. Este, porém, pede
também um milagre objetivo, que possa ser comprovado. Franca adoece de tumor na espinha e, antes de
ser internada para se submeter a operação, é sarada imediatamente por Giovanni
Leonardi, um senhor com dom de cura, enviado de uma maneira especial pelo
Senhor para sarar Franca e assim confirmar a sua missão.
4.
Mas, para toda e qualquer missão é necessário ser enviado por alguém. Receber uma
missão de Deus significa testemunhar que foi Ele quem enviou. Por isso Moisés
pergunta o que dirá ao povo, quando este quiser saber quem o enviou. E Deus disse a Moisés: “Assim dirás aos
filhos de Israel: Javé, o Deus de vossos pais me enviou até vós, Eu Sou me
enviou até vós. Este é o meu nome para sempre, e esta será a minha lembrança de
geração em geração”.
E com este
mesmo nome, Eu Sou, que Deus se manifesta também a Franca, revelando-lhe mais
concretamente quem Ele é: Eu sou o invencível, Eu sou o impossível que posso,
Eu sou o inalcançável que alcança, Eu sou o inumerável rosto... revelando-lhe
algo do que é contido neste nome e que nós rezamos naquela oração do Eu Sou que
já se tornou patrimônio de nossa espiritualidade.
“EU SOU”, o
nome do nosso Deus, pode ser traduzido para nós como “Eu sou aquele que sou, Eu
sou o existente”. Deus é o único verdadeiramente existente, mas ao mesmo tempo
significa que, para nós, Ele é transcendente e permanece no mistério. E,
também, que Ele age na história do seu povo, orientando-a para um fim. Por
isso, temos aqui, em embrião, aquilo que será resumido no livro do Apocalipse,
onde Deus é chamado “Aquele-que-é, Aquele-que-era, Aquele-que-vem, o todo
poderoso” (Ap.1,8), o princípio e fim de todas as coisas.
Este nome
glorioso de Javé, Eu sou, revelado a Moisés e que perpassa toda a história do
povo de Deus se torna mais acessível na vida dos homens por meio de Jesus. Este
se revela para nós como o Eu sou, caminho, verdade e vida, que nos leva ao Pai
e que nos envia o Espírito Santo, o Consolador, para que possamos ser
consagrados na verdade e possamos chegar a ter vida plena e abundante, à
plenitude da vida. O começo da nossa
reflexão sobre o tema deste nosso congresso, nos abre logo à dimensão
trinitária de nossa fé e com Franca rezamos “Santíssima Trindade, abre-nos o
caminho”.
Eu Sou o Caminho
Aquele-que-é,
Aquele-que-era,
Aquele-que-vem.
E
para onde Eu vou, conheceis o caminho.
Tomé
disse a Jesus: “Senhor,
não sabemos para onde vais.
não sabemos para onde vais.
Como
podemos conhecer o caminho?
Diz-lhe
Jesus: “Eu Sou o caminho”.
(Jo
14,4-6)
II. Eu Sou o Caminho
Aquele-que-é, Aquele-que-era, Aquele-que-vem
Para o
desenvolvimento de nosso tema encontramos uma dificuldade em apresentar Jesus
Cristo, Caminho, Verdade e Vida, Aquele-que-é, Aquele-que-era, Aquele-que-vem.
Como ter uma visão de Jesus Cristo, aquele-que-é, que seja atual para nós hoje,
sem limitá-lo aos condicionamentos do tempo presente que estamos vivendo? Como refletir sobre Jesus Cristo,
aquele-que-era, sem confiná-lo no passado de sua experiência humana e sem projeta-lo
num futuro (Aquele-que-vem) a curto ou a longo prazo, onde se acaba sempre por
separá-lo e contrapô-lo a nossa vida atual ?
Parece-me extremamente rica a
unidade que o título do tema do Congresso nos apresenta. Jesus Cristo, o Eu Sou
feito homem, pode se tornar para cada um de nós Caminho, Verdade e Vida, na
medida em que consigamos manter unidos nele Aquele-que-é, Aquele-que-era,
Aquele-que-vem. Por sua vez, Aquele-que-é, Aquele-que-era, Aquele-que-vem será
em Jesus Cristo o Caminho que, na descoberta da Verdade plena, nos faz chegar à
Vida total e abundante.
Vamos tentar
uma abordagem que nos ajuda a aprofundar, a partir de nossa espiritualidade do
MC, a riqueza que Jesus deixou em nossas mãos, por meio de Franca, para que
possamos ter consciência da grandeza da missão à qual nos convidou e nos
convida consagrando-nos ao MC por Ele querido.
Jesus é o
caminho, enquanto nos revela o Pai. Só por ele podemos ter acesso ao Pai.
Bastante desnorteado pelas palavra de Jesus, que anuncia a sua ida para
preparar-nos uma morada, Tomé apóstolo pergunta ‘como podemos conhecer o
caminho, se não sabemos aonde vai?’(Jo 14,5). Jesus o assegura que ninguém vai
ao Pai se não por Ele e quem conhece Jesus está conhecendo o caminho que leva
ao Pai.
Somente a fé
sabe discernir a presença do Filho no Pai e do Pai no Filho. Somente a fé nos
ajuda a reconhecer em Jesus Cristo a realização do projeto do Pai. Mas Felipe
gostaria de ter uma manifestação fulgurante do Pai, por isso pede a Jesus que
lhe mostre o Pai. É a tentação de sempre, também de todos nós, a de querer
conhecer Deus sem necessidade de percorrer um caminho de fé, sem necessidade de
Jesus, caminho que leva ao Pai.
Mas
Aquele-que-é, Aquele-que-era, Aquele-que-vem
nos aponta o encontro com Deus como caminho que se realiza em Jesus
Cristo. Se queremos chegar à vida plena e eterna devemos aceitar humildemente
este caminho que nos é proposto, porque é por ele que se realiza a plenitude de
nossa história. Não há vários caminhos, assim como não há duas histórias: a da
humanidade e a de Deus.
Diante da
tentação sempre presente de separar a história de Deus e a dos homens, diante
do perigo de considerar a nossa história
quase sem sentido ou, no máximo, um meio para sermos dignos de participar da
vida de Deus, Jesus nos indica claramente que ele veio para anunciar o grande
amor misericordioso do Pai, que tanto amou este mundo e por isso nos enviou seu
filho Jesus Cristo (Jo 3,14).
Este princípio
básico, de que Deus é presença salvífica na história da humanidade, é
fundamental para o povo de Israel. Deus não fica assistindo à evolução de um
mundo, à construção de uma história, mas por Jesus Cristo se compromete e
mostra sua participação amorosa, ativa e sua radical fidelidade a esta
história. É nela que o homem encontra Deus e seu dom de salvação e não fora
dela. A nossa história, então, não é apenas o lugar onde devemos inserir-nos
para servir a Deus, mas antes é o lugar da revelação de Deus, por isso Jesus, o
Messias enviado pelo Pai, se faz um de
nós e, fiel a esta nossa história, nos indica o caminho por onde a humanidade
deve orientar a história, para que seja conforme o projeto de Deus Pai.
É da mente do
Pai que nasce este projeto de Deus, que se concretiza na história da humanidade
e hoje nesta história que estamos vivendo. Por isso, Jesus convidava Franca a
rezar sempre o Senhor para que ela pudesse entrar no pensamento dele e ser
lançada no seu projeto. Louvemos nós também a mente de Deus Pai, da qual surgiu
esta história maravilhosa e, ao mesmo tempo, terrível que estamos vivendo e da
qual nós também somos os construtores.
Por fidelidade
a esta história, Jesus vive plenamente a sua vida de judeu, assume a história
do seu povo e nela realiza o projeto do Pai, indicando para nós que o caminho
que leva ao Pai só poderá passar pela história na qual o Senhor nos quis, pela
geração na qual nós nos encontramos a viver neste momento.
Neste sentido,
embora não nos identificando com a mentalidade deste mundo e em ruptura com os
contravalores que este oferece, o discípulo de Jesus é chamado a amar este mundo;
a chorar sobre a sua cidade, o seu país, assim como Jesus chorou sobre o seu
povo olhando para Jerusalém; a se deixar crucificar se for necessário para que
este mundo, que Deus tanto ama, possa ressuscitar a uma realidade nova, a um
mundo novo.
Seguir o
caminho de Jesus é entrar pela porta estreita, onde o discípulo é convidado a
percorrer o mesmo itinerário do mestre, isto é o caminho da cruz. Em vista
disso, exige-se dele uma profunda conversão, uma radical mudança de
mentalidade. Não basta confessar abertamente, como Pedro, o messianismo de
Jesus (Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo), mas é necessário compartilhar com
ele do seu caminho. Seguir o caminho de Jesus Cristo é seguir o caminho da
cruz, como o mestre, que disse ‘Aquele que quiser salvar sua vida, perdê-la-á,
mas quem perder sua vida por causa de Mim e do evangelho salvá-la-á (Mc 8,35).
Os discípulos,
quando começaram a seguir Jesus Cristo, tinham idéias erradas sobre Ele e o seu
messianismo. Eram prisioneiros daquelas várias e diferentes expectativas, que
alimentavam o povo de Israel. Mas, diferentemente da multidão, os discípulos
tinham uma adesão pessoal ao Cristo e, por isso, permaneceram sempre juntos ao
mestre (‘Onde iremos, Senhor, só Tu tens palavras de vida eterna’, dirá s.
Pedro em nome de todos). É nesta adesão profunda, radical e apaixonada ao
Senhor Jesus e ao caminho que Ele nos aponta, que se enraíza a nossa
espiritualidade cristã e de MC.
1.
Farei um Caminho Santo:
O caminho de Jesus,
apresentado a Franca, é o mesmo caminho indicado ao profeta Isaias ‘Farei um caminho santo, os imundos não
poderão passar por ele e os ignorantes não serão confundidos’ (Is 35,8).
Este caminho deve ser o caminho do MC!
Não significa
que este caminho se identifica somente com o MC. Não é algo exclusivo do MC,
mas é só por ele que o MC deve enveredar e contribuir com sua parcela para a
história da humanidade.
Pertencer ao MC
significa a vontade firme de seguir por este caminho santo, cuja santidade não consiste na capacidade de
entender tudo que deve ser feito, mas na conduta do homem, na maneira de ser de
toda a comunidade dos fiéis. Com o salmo
(Sl 119,1-3) somos convidados, então, a rezar todos os dias ‘Felizes os íntegros em seu caminho, os que
andam conforme a lei do Senhor! Felizes os que guardam seus testemunhos,
procurando-o de todo o coração e que, sem praticar a iniquidade, andam em seus
caminhos’.
2. As provas de amor
Em que consiste para nós do MC
percorrer este caminho de Jesus Cristo ?
Resume-se
naquela locução: “As ‘provas de amor’
para Deus são a observância dos meus mandamentos: todos, não parcialmente. Sem
esta ‘grife’, não podeis ficar no caminho santo. Sede santos, porque o
verdadeiro MC é santo” (13.03.77).
O caminho do MC
é, então, o caminho da santidade, predito por Isaías, que se consolida na
medida em que assimilarmos os mandamentos de Deus em nossa vida. Mais uma vez,
somos convidados pelo Senhor a rever nossa vida para perguntar-nos se, de fato,
estamos trilhando o caminho traçado pelo Pai nos mandamentos da Aliança, que
somos chamados a viver não somente como critérios normativos de conduta moral,
mas sobretudo como valores a serem defendidos e sobre os quais construir nossa
vida pessoal, pautar nossa vida de família e sobre os quais moldar a nossa
sociedade.
Sem esta
‘grife’ não podemos ficar no caminho santo!
O Eu Sou
entregou a seu povo, como sinal de
aliança, os dez mandamentos, para que norteassem toda a nossa vida e sobretudo
garantissem nossa liberdade de filhos e filhas de Deus. Se o MC não assumir
este compromisso fundamental, assim como a Igreja, nunca poderá chegar à vida para a qual este
caminho aponta.
Ainda hoje o
povo e Israel e a Igreja experimentam esta realidade. O Senhor apontou, ao
longo da história, este caminho de libertação e todas as vezes que o povo se
esquece ou não quer seguir a Lei de Deus, todas as vezes que não educa seus
filhos aos valores contidos em cada mandamento, perde a sua liberdade, se
enfraquece e acaba dominado e destruído pelos seus inimigos. O mesmo pode-se
aplicar ao MC. Por isso que a Franca foi dito:
‘Eu disse que o MC é o meu
caminho santo: único descrito pelo profeta.
Nunca disse que ele faça ou tenha
que fazer uma bifurcação.
Quem é causa de uma
bifurcação, quem a procura, sai do caminho santo’
(18.10.76).
Não pode ficar
no MC, nem ser um verdadeiro cristão, quem quer seguir Jesus Cristo do seu
jeito, conforme os seus critérios. O compromisso inicial de quem começa a dar
seus primeiros passos, neste caminho santo, deve ser o de viver a Lei do
Senhor, que Jesus Cristo não veio abolir e sim a completar. Só na descoberta
dos seus mandamentos, no conhecimento profundo de que cada um deles nos liberta
e no empenho sincero e fiel de vivê-los, poderemos ser livres para amar, seguir
e servir o nosso Deus.
“Não disse: ‘A verdade vos tornará livres?
Livres de que?
Livres para amar e usar bem do Amor.
A liberdade é então o caminho, e Eu Sou o
caminho” (01.11.79).
Se não nos
tornarmos livres não poderemos ser novos, capazes então de abrir-nos às
novidades e Deus.
3.
Manter-se no caminho santo
Quais
caraterísticas devem nos acompanhar para manter-nos no caminho santo? As locuções apontam para estes pontos que
mais deveriam caraterizar a vida do cristão e ainda mais do membro do MC.
3.1. - Deixar-se conduzir pelo Senhor
Deixar-se conduzir pelo
Senhor, nosso caminho hoje e sempre,
significa romper os nossos esquemas, deixar que ele trace o seu projeto
em nós, na consciência que nada podemos fazer sem ele.
“Sem Mim, nada podeis
fazer! Não disse: podeis fazer pouco,
não podeis fazer nada. Quanto mais vós me
tomais convosco...
tanto mais
conduzir-vos-ei. Eu sou o fio condutor”.
Como é difícil
deixar-nos guiar pelo Senhor. Achamos, muitas vezes, que é suficiente saber
qual é o caminho, para irmos adiante confiantes nas nossas forças, nos nossos
planos, na nossa maneira de fazer as coisas. A final das contas, o Senhor não
nos pede a nossa colaboração, não nos deixa livres para atuar como melhor
achamos, não quer a nossa participação livre?
É aqui que se esconde o perigo maior para nós, em relação à nossa
caminhada de Igreja e de MC.
Quantas vezes,
depois de ter descoberto um pouco o MC já queremos participar dele numa atitude
de dono, sem manifestar ou sentir a necessidade de aprofundar este caminho
santo. Parece infiltrar-se uma certa presunção de saber e de conhecer já tudo
do MC e, então, acabamos considerando-nos como donos deste movimento, mesmo sem
saber ainda bem por onde nos leva este caminho. Um olhar sincero à nossa
história de MC nos revela como é fácil a tentação de sentir-se senhores do MC e
não simples servidores de uma missão que o Senhor colocou em nossas
mãos, para que saibamos levá-la adiante segundo o projeto dele. Não é para
estranhar que todos os que quiseram ser donos do MC acabaram por ser afastados
pelo Senhor mesmo.
Entre as várias
locuções que falam a respeito podemos lembrar esta:
“Eu sou quem dirige o MC
acima de qualquer crítica
que possa ser feita pelos
outros.
Se ainda o MC não se
alarga como quereríeis,
é porque Eu não acho
ainda oportuno.
Eu tenho a minha hora e o
meu momento para cada Associação.
Sede unidos. Alguém faz
críticas demais...
Vós deveis somente semear
e semear unidade.
Todo o demais virá por
si”. (23.10.89)
3.2. - Amar-se verdadeiramente
Outra
caraterística deste caminho santo é o amor recíproco que deve reinar entre nós.
Cada um não anda sozinho por este caminho, mas está em companhia de outros com
os quais deve saber partilhar sua vida e sua busca de fé.
“No caminho santo poderão ficar somente
os que verdadeiramente se amam,
que lealmente se querem bem.
Não quero diplomacias, mas simplicidade,
verdade e manter a palavra dada”.
(22.07.80)
Para quem é
chamado ao MC o caminho do amor é o caminho predileto de Jesus, que nos ensina
a saber amar de maneira extraordinária, isto é, até o perdão, até dar a vida
pelos irmãos. Mais do que o interesse pelos dons extraordinários em si, é o
amor vivido de maneira extraordinária que nos deve unir e despertar admiração
nos outros. “Olham como se amam os do MC”. Esta frase deveria ser repetida para
cada um de nós, que aprendeu que o amor é a caraterística principal deste
caminho, que Jesus nos ensinou através de sua própria vida.
3.3.-
A prática da vontade de Deus
Outra caraterística que nos é indicada pela
espiritualidade do MC para manter-nos no caminho santo é a prática da vontade
de Deus, sobretudo quando ela é feita por pura obediência aos apelos de Deus ou
também quando não há um retorno de aceitação, um sinal de gratidão por parte
dos outros.
“Praticar a
minha vontade seja que se trabalhe para o MC ou não,
isso vos mantém no caminho santo” (16.08.77).
Tarefa essa nem sempre fácil, sobretudo quando nem
sempre conseguimos reconhecer a vontade de Deus em nossa vida. Muitos fatos, às
vezes, indicam para nós que decisões tomadas não foram mesmo vontade de Deus,
mas simplesmente opções pessoais, nem sempre bem discernidas ou nem sempre
postas em práticas.
Há a tentação de limitar-se a um conhecimento vago
da vontade de Deus, sem discernir o que o Senhor espera de nós, assim como na
hora de pôr em prática as decisões tomadas, parece que nossa vontade não tem
forças suficientes para corresponder a apelos verdadeiros e a desafios novos,
que Deus nos aponta como sua vontade
para nós hoje.
Tornam-se
sempre atuais as palavras de S. Paulo, quando convida a não ser simples
ouvintes da Palavra de Deus, mas seus seguidores, verdadeiros cristãos que a
colocam em prática. Sem medo, sem restrições, sem demoras.
Sem este
compromisso verdadeiro em realizar em nós a vontade do Pai, corremos o risco de realizar somente a... permissão de Deus e não a sua vontade.
No respeito profundo de nossa liberdade, o Senhor permite que aconteça o que
nós queremos, mesmo que não corresponda ao seu projeto. Mas fazer a permissão
de Deus não é praticar a sua vontade, não é manter-se no caminho santo.
Fica para nós a
pergunta se no MC, neste movimento por ele querido, cada um de nós está fazendo
a vontade de Deus ou a sua permissão. Torna-se cada vez mais necessária rezar
aquela oração, ditada em locução:
“Senhor, faz que eu veja para
além dos meus conceitos.
Senhor, faz que eu veja para além
dos meus juízos.
Senhor, dá-me a justa medida da
tua misericórdia.
Senhor, dá-me a justa visão dos
teus mistérios.
Senhor, resolve as minhas
preocupações mais urgentes.
Senhor, desata os nós mais
difíceis.
Deus da graça transfere-te em
nós.
Atendei-nos em nome de Cristo”.
3.4. -
O amor à Palavra de Deus
Permitam-me indicar mais um outro ponto que vai nos
ajudar em prosseguir no caminho santo, ao qual o MC foi chamado. O que vai dar
coragem em continuar firme a caminhada é a Palavra de Deus, que nos sustenta,
anima e orienta o cristão na fidelidade a este caminho. Somente quem é fiel a
Palavra de Deus vai adiante e supera todas as dificuldades que poderá encontrar,
o desânimo que às vezes sentirá, a consciência de sua fraqueza e de suas
limitações que sempre o acompanha, mas poderá tornar-se o ‘pecúlio de Deus’ (01.02.87).
A redescoberta constante da Palavra de Deus em nossa
vida de fé nos ajuda a adquirir uma maneira nova de ler a história que vivemos:
não tanto fundamentada na visão humana que registra os acontecimentos a partir
de interesses particulares, mas numa leitura de fé destes mesmos fatos que nos
oferece uma conotação toda particular e critérios bem diferentes de interpretar
os acontecimentos, na perspectiva de colher a ação de Deus na história de hoje.
Sempre mais
forte ecoa, em nosso coração, a locução de Franca :
“Filha, escreve. Amai as palavras
do Senhor,
estudai-as, imprimi-as bem no coração
e na mente.
Aderi a elas não por uma hora,
mas para sempre.
Colocai ordem moral em vossos
ambientes, onde viveis,
porque será pedido a quem podia
com sua autoridade
introduzir-me e não o fez,
no meio familiar, na comunidade
ou na Hierarquia...”
A Palavra de
Deus é luz para o nosso caminhar, é lâmpada para os nosso pés, nos lembra o
salmista [Sl 119 (118),105] e, por isso, quem não segue as palavras do Senhor
acaba perdendo luz, fica só a um certo grau de luz e não tem condições de
compreender este caminho de santidade, que só se torna acessível para quem
presta atenção e guarda em seu coração a Palavra de Deus como a Virgem Maria e
todos os que seguiram Jesus caminho, verdade e vida.
Gostaria de concluir esta
primeira parte do Eu Sou o caminho, com as palavras que Franca escrevia no seu
Diário espiritual, antes ainda do início do MC:
PRECISO DE TI !
Eu preciso de Ti Senhor, hoje, amanhã e
sempre.
Eu preciso de Ti para amar,
preciso de Ti para perdoar,
preciso de Ti para continuar.
Tens razão quando no Evangelho falas
de... caminho estreito, de caminho
apertado,
porque é difícil achá-lo.
A estrada, às vezes, é escura e
os espinhos sangrentos podem penetrar em
nós.
Eu preciso de Ti! Vem comigo!
Faz que eu veja com os Teus olhos,
que ame com o Teu coração,
que perdoe com a Tua generosidade,
que escute com os Teus ouvidos
e não seja surda quando meu próximo precisa
de ajuda.
Mas por isso tudo,
para colocá-lo em prática eu preciso de Ti!
Só Tu, na Tua infinita bondade,
podes fazer-me assim como Tu, semelhante a
Ti.
Eu sozinha não posso;
não posso porque nada vejo, nada sou.
Somente Tu podes mudar este meu nada.
E se queres operante este nada,
eu sou mais uma vez obrigada a dizer-Te
que eu preciso de Ti!
"Tu és, Senhor, o meu pastor..
por isso nada em minha vida faltará"
(Como gosto deste refrão que se canta na
Igreja)
Eu Sou a Verdade
Aquele-que-é,
Aquele-que-era,
Aquele-que-vem
Pilatos lhe disse “Então tu és Rei?”
Respondeu Jesus: “Tu o dizes, eu sou rei.
Para isso nasci e para isto vim ao mundo:
para dar testemunho da verdade.
Quem é da verdade escuta a minha voz”.
(Jo 18, 37-38)
III. Eu Sou a Verdade
Aquele-que-é, Aquele-que-era, Aquele-que-vem
Quem melhor nos
introduz à descoberta de Jesus Cristo como “verdade” é o evangelista e apóstolo
S. João. Todo o seu evangelho foi escrito a partir deste tema da verdade.
Podemos dizer que o eixo ao redor do qual se desenvolve toda a narração
evangélica de S. João é justamente o tema da verdade.
1. A verdade, no evangelho de S. João
S. João inicia
o seu evangelho proclamando sua fé em Jesus Cristo, filho único do Pai, cheio
de graça e de verdade. É nele que se manifesta a verdade de Deus, porque – diz
S. João – ‘a lei foi dada por meio de Moisés, a graça e a verdade por meio de Jesus Cristo’. (1,17)
O diálogo com a
mulher samaritana é o exemplo mais vivo e tocante de como Jesus Cristo é a
verdade para cada homem e mulher. Numa provocação de amor, Jesus ajuda a
samaritana a olhar à verdade de sua vida; a renunciar à mentira, à falsidade de
sua existência; a não querer se justificar diante dos outros para reconhecer a
verdade de sua vida. A ela revela que Deus Pai se sente amado pelas suas
criaturas, na medida em que é cultuado e honrado ‘em espírito e verdade’. O Espírito, princípio de um novo
nascimento, é também princípio de um novo culto espiritual que tem como
fundamento o amor à verdade, que justamente é a revelação que Deus faz por meio
de Jesus.
“Se permanecerdes fiéis à minha
palavra – diz Jesus – podereis conhecer cada vez mais a verdade e a verdade vos
libertará” (Jo 8,32). Jesus veio para
anunciar as palavras do Pai que o enviou, palavras de verdade e de vida, que
nos arrancam da mentira e do pecado.
Jesus não nos revela uma verdade, mas a verdade que está em Deus, a
verdade que Deus Pai lhe revelou e só Ele pode ser fundamento de uma verdadeira
relação filial com o Pai.
Jesus, porém, continua S. João,
não é simplesmente o instrumento de que o Pai se serve para revelar-nos a
verdade de sua existência e a verdade de nossa vida. Não podemos pensar em Jesus Cristo como
simplesmente um escolhido para esta missão de revelar aos homens a verdade de
Deus. São João nos convida a avançar mais e a reconhecer que Jesus Cristo é a
Verdade, porque Ele está no Pai e o Pai está nele.
Se Deus Pai é a verdade, Jesus Cristo é a
verdade revelada do Pai para nós. Nele o Pai permanece e realiza as suas obras.
Por isso, se é difícil para o homem e a mulher acreditar nesta única verdade
que é Jesus Cristo, que acreditemos, por causa das obras que ele fez. Para quem chegar a ter a fé em Jesus Cristo,
amando-o de verdade, pondo em prática os seus mandamentos, o Pai enviar-lhe-á o
Espírito da Verdade, o Paráclito, para que permaneça para sempre com ele (Jo
14, 15-16).
Será o Espírito Santo, este
Espírito da verdade que vem do Pai, que nos abrirá os olhos e nos dará
testemunho do Cristo (Jo 15,26), “conduzindo-nos
no caminho da verdade plena, pois não falará de si mesmo, mas dirá tudo que
tiver ouvido e nos anunciará às coisas futuras” (Jo 16,13). Por isso Jesus, na sua oração sacerdotal,
invoca o Pai para que nos consagre na verdade, porque a sua palavra é verdade
(Jo 17, 6-17) e pede o Paráclito, o Espírito Santo, para que nos conduza à
plenitude da verdade.
Em poucas
linhas, S. João responde àquela pergunta de Pilatos a Jesus Cristo “Que é a
verdade?”, ajudando-nos a reconhecer em Jesus Cristo a Verdade, que a Trindade
Santa nos quer revelar, que é a Verdade de nossa vida.
2. A verdade na espiritualidade do MC
Para quem se consagra no MC, o
amor à verdade torna-se a base e fundamento de toda sua vida. “... Consagro-me sem reservas ao MC, querido
por ti, confirmando a promessa de ser em tudo amante da verdade”. Esta é a parte final do nosso ato de
consagração. Sem amor à verdade, não há MC; sem amor à verdade não pode crescer
e se desenvolver a nossa vida espiritual, porque a verdade é “a espinha dorsal”
da vida espiritual. Assim como um corpo não pode ficar de pé sem a espinha
dorsal, assim também toda nossa vida de fé não pode sobreviver sem um profundo
amor à verdade.
Num mundo em que vivemos, onde a mentira, a
inverdade, a diplomacia e a esperteza, parecem ser a base das relações entre as
pessoas e os povos, proclamar o amor à verdade acima de tudo pode ser uma
verdadeira provocação. Sim, nós como
cristãos e como MC, somos chamados a proclamar a verdade ao mundo e, para que
este propósito não seja genérico demais, em locução Jesus nos diz:
“Ajudai o Senhor a trazer à tona a verdade,
toda a verdade,
em todos os nós sociais, religiosos,
morais,
que impedem dela emergir”.
Seguir o caminho de verdade que é Jesus Cristo
significa, em primeiro lugar, cuidar para que a verdade possa se afirmar na sua
vida pessoal e social. Este cuidado para
com a verdade deve manifestar-se num relacionamento sincero com todos, nunca
mentindo aos próprios irmãos, também aos que não participam do MC ou não
freqüentam a mesma comunidade eclesial.
Se amarmos de fato a verdade,
experimentaremos a liberdade que ela nos traz em nossa vida, relembrando como é
verdadeira a frase de Jesus Cristo “a verdade vós libertará”! De que nos liberta? De que nos faz
livres? Livres para amar e usar bem do
amor. A verdade é o caminho e Jesus é o
caminho. Não podemos tornar-nos novos se
nós não nos tornarmos livres.
3. E a verdade vos libertará
No seu
evangelho, S. João já anunciava para os membros de sua comunidade cristã: “Se permanecerdes na minha palavra sereis
verdadeiramente meus discípulos e conhecereis a verdade e a verdade vos
libertará”(Jo 8,32).
Vejamos, em concreto, de que nos liberta o amor a
verdade.
1. O amor a
verdade nos liberta das injustiças.
Como foi explicado a Franca pelo Senhor, o amor é
como uma moeda, cujas faces são a verdade e a justiça. Não pode existir uma sem a outra. A justiça é a verdade posta em prática, não
só afirmada. Assim como a injustiça
aponta para uma verdade que deve ser resgatada e proclamada. Não se podem separar as duas coisas. Não é um verdadeiro seguidor de Jesus Cristo
quem amar a verdade sem se preocupar de cultivar em si a justiça.
“O fruto do amor e da verdade é o de
conduzir a justiça à vitória.
Quem não pratica a justiça é galho seco,
não possui em si nem amor, nem verdade
suficiente.
Deus falou pelo profeta ‘Este é aquele que
anuncia aos povos a justiça’
Então foi anunciada, agora quer que se
realize plenamente.
Quer conosco conduzir a justiça para que
vença sobre o mundo”
“A injustiça pode apagar não só
a luz mas também o amor.
O amor para ser verdadeiro e
firme,
deve trilhar o caminho da
justiça, que é a verdade posta em prática”.
Nos dias de hoje
nos deparamos com inúmeras violências, causadas à vida de milhões de seres
humanos, especialmente crianças, constrangidos à miséria, à subnutrição e à fome,
por causa da iníqua distribuição das riquezas entre os povos e entre as classes
sociais, assim como nos deparamos com a violência inerentes às guerras e ao
escandaloso comércio de armas ou com a violência provocada pela imprudente
alteração do equilíbrio ecológico, com a criminosa difusão da droga ou com a
promoção de uma sexualidade que acarreta graves riscos para a vida das pessoas.
Caminhando
atentos aos sinais dos tempos, constatamos um vasto leque de ameaças à vida
humana e do planeta, de forma aberta ou camuflada, como caraterística trágica
de nossa história. O papa João Paulo II nos ajudou a refletir sobre estes
problemas e a necessidade de uma ordem mais justa, na sua encíclica “Evangelium
Vitae” (25.03.1995), o evangelho da vida, que nós do MC, através do amor à
verdade posto em prática, somos chamados a testemunhar.
2. O amor a verdade nos liberta
do fanatismo e do preconceito
O amor a Jesus
Cristo, verdade de nossa vida, liberta do fanatismo em nosso caminho de fé e,
para nós do MC, nos afasta do perigo de condicionar aos carismas a nossa vida
de fé. Para quem segue Jesus Cristo no MC, o amor a verdade se torna uma
exigência mais forte e mais importante do que os próprios carismas.
“Quantos
carismáticos amam mais... o mistério que a verdade.
Pelo contrário, é preciso amar a verdade mais do que... os mistérios.
Estes podem criar o clube dos sonhadores...
Com a verdade se faz, não se sonha”.
Geralmente, uma
acolhida sincera dos carismas leva em seguida a um discernimento verdadeiro,
que, por sua vez, impede qualquer atitude dogmática (eu acredito ou não
acredito neste ou naquele carisma) ou pré constituída (este carisma é
verdadeiro ou é falso), assim como qualquer posição eufórica de adesão imediata
(fanatismo) ou de qualquer atitude de prudência exagerada, que mais pode
parecer preconceito ou medo do que amor a verdade.
3. O amor a verdade nos liberta da covardia
Quantas vezes
em nossa vida nos deparamos com atitudes medrosas, de falsa prudência, que
acabam nos impedindo qualquer esforço de engajamento ou compromisso para com os
outros. Esta covardia pode ser alimentada por uma falsa humildade, identificada
às vezes, com atitudes passivas, de resignação, de indiferença ou de medo de
assumir um compromisso verdadeiro. Mas as locuções do MC nos lembram que a
humildade é verdade, verdade dita e não calada, é coragem. Se as vezes temos a impressão que nos falta
coragem, somos convidados a fazer um profundo exame de consciência, para ver
até que ponto amamos a verdade em nossa vida.
“Quanto mais amarmos a verdade
do fundo do coração,
tanto mais a coragem vai aumentar,
porque a coragem...
sobe nos degraus da verdade”.
4. O amor a verdade nos liberta da divisão
Mais ainda
aprendemos de nossa espiritualidade que a verdade, amada e buscada com todas as
nossas forças, nos liberta do perigo da divisão, que sempre ameaça nossa vida e
tenta amargar as nossas relações fraternas.
Se existir
unidade entre nós e unidade com todos, nós nos tornaremos cada vez mais livres
para seguir o Senhor e trabalhar pelo seu reino. Não é falta de amor se, às
vezes, podem surgir entre nós posições diferentes ou motivos de discórdia, se
de fato, através do diálogo, buscamos o Senhor, a sua glória, a sua vontade e
não a nossa.
Sobre isso fundamenta-se
todo empenho do MC de buscar na Igreja o diálogo entre os irmãos cristãos,
divididos entre si, e a caminho de uma unidade perdida, fruto de compreensão,
acolhida, escuta e sobretudo redescoberta do dom de Deus que a fé cristã é para
todos os que querem seguir o caminho de Jesus.
5. O amor a
verdade nos liberta do medo
Enfim, ainda
aprendemos da espiritualidade do MC, que é o amor à verdade que nos liberta do
medo, que tanto aflige cada um de nós. É incontestável que todos nós carregamos
em nossa vida uma porção de medos: o medo de nós mesmos, que não nos permite
aceitar-nos como somos, com o nosso passado e a nossa história; o medo daquilo
que os outros podem pensar de nós, que nos impede de ser autênticos e nos
pressiona a sermos ou a nos comportarmos conforme aquilo que os outros querem e
a sociedade impõe; o medo ainda de enfrentar um mundo cada vez mais complicado
e terrível pelos seus graves problemas, que nos faz recuar e refugiar nas
paredes de nossa casa ou fechar-nos nos nossos pequenos interesses.
Por causa
destes e de outros medos, acabamos por dar espaço em nossa vida à mentira.
Fingimos não ver os nossos defeitos, não aceitamos e nem reconhecemos os nossos
limites e nossas fraquezas. Diante dos outros bancamos o que não somos, usamos
da mentira para salvaguardar a nossa imagem e diante do mundo em que vivemos,
temos sempre prontas, desculpas ou racionalizações com as quais queremos
justificar os nossos medos.
“Se me amais – dizia Jesus – observareis os meus
mandamentos e rogareis ao Pai e ele vós dará o Paráclito, para que permaneça
sempre conosco, o Espírito da Verdade, que o mundo não pode acolher, porque não
vê, nem o conhece (Jo 14, 15-17).
E a Franca foi dito:
“O primeiro inimigo do bem não é a
mentira, mas o medo.
É o medo que dá espaço à mentira...”
Poderíamos
listar outros pontos significativos para responder à perguntas “de que nos
liberta o amor à verdade?”. Nas
riquíssimas locuções de nossa espiritualidade sobre o amor à verdade, que a
cada ano deveríamos meditar, encontramos ainda apelos fortes e urgentes para
que a amemos com afinco.
“Com
sua primeira vinda sobre a terra,
Jesus nos mostra a verdade.
Ela foi dita, evangelizada ... mas
não posta em prática
entre um irmão e outro.
O Senhor espera do MC
que sempre se diga a verdade entre
nós,
então por conseguinte reinará a
justiça
e esta forma de viver será digna
da sua segunda vinda”.
“Cai-se desta forma: o orgulho faz
cometer injustiças.
A injustiça é defendida pela
malícia, que é má astúcia.
A malícia é defendida pela
mentira.
A mentira é defendida pelas obras
iníquas ou pelo crime.
Sempre, porém, a base é o
orgulho.
Sabe o que é o orgulho? O orgulho
é o veneno de satã”.
Vivemos
hoje uma crise profunda de sentido em que “a legitima pluralidade de posições
cedeu lugar a um pluralismo indefinido,
fundado no pressuposto de que todas as posições são equivalentes: trata-se de
um dos sintomas mas difusos, no contexto atual, de desconfiança na verdade”.
Assim tudo fica reduzido à mera opinião.
Chega o momento, porém, em que sentimos “a necessidade de ancorar a existência
a uma verdade reconhecida como definitiva, que forneça uma certeza livre de
qualquer dúvida”. Nestes termos se expressava o Papa João Paulo II, na sua
Encíclica ‘Fides et ratio’, de 14.09.1998 (n.5 e 27).
Sem
menosprezar todo esforço da razão, somente na abertura à transcendência,
manifestada na total liberdade de querer fazer a experiência de Jesus na
própria vida, encontramos a chance histórica de nos acercarmos à verdade. “Não
nos iludamos - nos dizia Dom Raymundo Damasceno, bispo auxiliar de Brasília e
secretário geral da CNBB na homilia de abertura da Semana de Oração pela
Unidade dos Cristãos – a verdade é Ele, Jesus Cristo, e conhecê-la significa
assumir o projeto de tornar o Reino visível até os confins da terra. Numa
palavra, vivendo e anunciando o Evangelho, mergulhamos na verdade que é Ele.
Nele se manifestou em plenitude a
verdade de Deus. Ele é a verdade em plenitude”.
É
nesta trilha, indicada pela nossa Hierarquia, que o MC deve brilhar no amor
à verdade, fazendo com que, assimilando
a força libertadora que nela existe, possa traduzi-la para o mundo de hoje num
sentido novo ao qual “ancorar” a nossa existência, Jesus Cristo, Caminho, Verdade
e Vida.
Eu Sou a Vida
Aquele-que-é,
Aquele-que-era,
Aquele-que-vem
Eu sou o bom
pastor:
o bom pastor dá a sua vida pelas suas ovelhas.
Eu sou o bom
pastor:
conheço as minhas ovelhas e as minhas ovelhas me conhecem,
como o Pai me conhece e eu conheço o
Pai...
Eu dou a minha vida pelas minhas ovelhas.
Jo 10,
11.14-15
IV. Eu Sou a Vida
Aquele-que-é, Aquele-que-era, Aquele-que-vem
Seguindo Jesus no caminho por
ele indicado e amando a verdade do fundo do nosso coração chegaremos a Jesus
vida da nossa vida. “Eu vim para que todos tenham vida” é o lamento forte e
apaixonado de Jesus ao mundo que testemunha o grande amor de Deus Pai para com
o mundo. “Deus amou tanto o mundo – nos diz S. João – que entregou seu filho
único para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha vida eterna. Pois Deus
não enviou o seu filho ao mundo para julgar o mundo, mas para que o mundo seja
salvo por Ele” (Jo 3, 16-17).
Como não acreditar, então, que
Jesus é aquele que nos concede à vida plena? “Eu vim para que todos tenham vida
e a tenham em abundância (Jo 10,10), ele nos repete ainda hoje.
Mais uma vez Jesus Cristo se
nos apresenta não só como um anunciador da vida que Deus quer nos dar. Não nos
comunica só o projeto do Pai, de nós partilharmos de sua vida e de tornar-nos
de fato seus filhos, porque participantes da mesma vida de Deus. Jesus se revela para nós como Aquele que é
vida da nossa vida.
Quantos
símbolos Jesus usa para convencer-nos desta verdade... e quantas parábolas
conta para que ninguém desconfie do amor do Pai, que quer vida em abundância
para todos os seus filhos e filhas.
Mais forte ainda se torna para nós o fato de Jesus ter dado a sua vida para que
com sua morte a vida triunfasse. “Não há maior amor de quem da a vida pelos
seus irmãos” e “quem perder sua vida por causa de Mim, encontrá-la-á”.
Se Jesus é a nossa vida, tudo
aquilo que diminui, ofende, maltrata a nossa vida, ofende e maltrata o coração
de Jesus, no qual se revela o coração do nosso Deus.
Encontramos o verdadeiro
sentido para nós, quando estamos dispostos, com todos as nossas forças, a
seguir Jesus. Porém, nesse seguimento, nos deparamos com inúmeras situações que
ameaçam, sufocam, prejudicam e matam a vida. Seguir Jesus, com verdade e vida,
exige portanto de todos nós uma defesa intransigente da vida, pois Ele nos
disse que veio para dar-nos vida e vida em abundância.
1. O compromisso do MC com a vida
O interesse do MC para com os
carismas extraordinários pode gerar, às vezes, um conflito interior, em quem se
sente atraído pela forte espiritualidade do MC e, ao mesmo tempo, se sente
interpelado pelos grandes problemas do mundo de hoje, no tocante a vida humana
e do universo todo.
Para quem é sensível aos dons
especiais do Senhor, Jesus é visto como um dom extraordinário do Pai que nos
leva à vida plena, quase passando por cima desta vida atual que estamos
vivendo. Diante da tragédia de nossa geração que não quer reconhecer o caminho
de Deus, o seguimento de Cristo é visto como um segurar-se nas mãos de Deus,
confiando nele toda nossa história e procurando viver, no babel dos dias
atuais, uma vida de comunhão mais
profunda com o Senhor.
Tudo isso por meio de uma
volta sincera à Palavra de Deus, de uma vivência cristã mais assídua aos
sacramentos da Eucaristia e da Reconciliação (Confissão), de uma consagração
sincera a Nossa Senhora com a reza do terço e com dias de jejum e mortificação
pelos pecados do mundo. Para estas pessoas o MC vem reforçando esta atitude,
valorizando várias locuções de confidentes, apelos e mensagens de aparições e dons
espirituais que possam ajudar à conversão do coração.
Para quem é sensível ao
compromisso real com a vida, pode encontrar em Jesus Cristo o irmão solidário
com os homens e as mulheres sofredoras de hoje, que aponta para nós o caminho
da vida plena para todos. É a visão do Cristo libertador, anunciado por Isaias,
que veio entre nós para ajudar a todos a encontrar a vida:
“O Espírito do Senhor está sobre mim,
porque ele me urgiu para evangelizar os pobres:
enviou-me para proclamar a liberdade aos presos
e aos cegos a recuperação da vista,
para celebrar a liberdade aos oprimidos e
para proclamar um ano de graça do Senhor (Is.61,1-2)”.
Para estas pessoas fica
bastante difícil no começo a se entender o MC, pois pode dar a impressão que os
do MC não estejam envolvidos ou preocupados com as situações trágicas do mundo
em que vivemos. Contudo, o MC pode atrair por certos carismas que são vistos
complementares em pessoas já dedicadas a obras de caridade, pela força
espiritual que são capazes de oferecer.
2. Uma tensão permanente
Diante dos desafios que a vida
de hoje nos apresenta, com certeza este conflito deve ser visto como uma tensão
permanente entre o projeto da vida plena para a qual Deus nos criou e a vida
atual que se nos apresenta profundamente conturbada por infinitos problemas
sociais, culturais, econômicos, políticos e religiosos. Esta tensão constante
deve ser aceita antes como uma benção do que um motivo de angústia e vivida na
busca de uma integração destes aspectos, que devem concretizar a vida de todo
cristão.
Aqui chegamos talvez ao ponto
mais delicado da vida do MC e a partir do qual se joga o futuro do mesmo
movimento. Inserido na vida da Igreja, o MC também é chamado a discernir os
sinais dos tempos para que se possa superar toda e qualquer contraposição que
nestes anos todos nos acostumamos a perceber na nossa igreja.
Em nível de paróquia ou de
diocese, de grupos ou de movimentos, de religiosos ou leigos consagrados,
assistimos a dilacerações graves, em nome de Jesus Cristo conhecido e seguido
de forma reduzida e parcial.
É o Jesus Cristo identificando
com os pobres contra o Jesus Cristo amado e glorificado na sua divindade. É a Igreja Católica sonhada como voz dos que
não têm voz contra a Igreja Católica pensada ainda como sociedade perfeita dos
batizados. É a Hierarquia católica
chamada de progressista contra a outra parte vista como conservadora. Tudo isso em nome de Jesus Cristo
que veio para dar a vida por nós. Neste contexto, o MC oferece, então,
um serviço à vida peculiar, não se identificando com nenhum destes pólos de
tensão, mas oferecendo logo aquilo que recebeu do Senhor Jesus.
3. O equilíbrio
dos santos
Em primeiro lugar, o MC nos
ensina a viver este conflito, buscando o equilíbrio, diante dos carismas e dos
problemas da vida. Em cada momento em
que nos encontramos como grupo ou como movimento, na nossa oração pessoal,
sempre pedimos (ou deveríamos pedir) o equilíbrio dos santos, para que ‘cada
palavra dita ou calada, cada passo feito ou recusado, tudo seja na perfeita
vontade de Deus’.
Numa atitude de equilíbrio,
torna-se assim mais fácil vivenciar o outro elemento que o MC nos oferece no
seguimento de Jesus Cristo vida: o
discernimento. Para a Hierarquia da Igreja, o MC e visto e considerado
sobretudo como uma instância de discernimento muito importante. Quantas vezes
nos perguntam como saber se tantos fatos extraordinários, tantas publicações de
fatos carismáticos, tantas mensagens que circulam no mundo católico e fora dele
acerca de carismas são de fato verdadeiros e tem algo a dizer para nossa
vida.
4. Ser ‘árvore de
vida’
O MC, na sua pequenez e
humildade, oferece então uma série de pontos, indicados por locução ou fruto de
sua reflexão e estudo, que podem ajudar à Igreja a discernir, em vista do
caminho que leva para a vida, tornando-nos assim pessoas que amam a vida e que
a defendem com todas as suas forças. Melhor ainda podemos nos tornar “árvores da vida”, como foi dito a Franca em
locução.
“Se sereis
enraizados na minha palavra...
sem vos aperceber, vos tornareis raízes.
Tornar-vos-eis árvores da vida,
correspondentes às árvores do Éden,
isto é, carregando frutos de delícia”.
(04.12.92)
Cada vez mais o MC sente-se
incumbido por esta missão de discernir diante da explosão de carismas que está
acontecendo hoje, quais deles são verdadeiros ou falsos. Este trabalho de discernimento é muito
exigente pelo tempo e pelo estudo que pede e pelos contatos que são
necessários. Mas é fundamental para que os novos carismas que o Senhor oferece
à sua Igreja, possam dar frutos de vida. Vários dos nossos grupos do MC, que
vem acompanhando alguns confidentes, e o mesmo Centro de Estudos do MC, sabem o
que isso significa.
5. Onde estão as vossas obras?
Quem como nós, no Brasil, vive
uma realidade social mais contundente e trágica, que em muitos aspectos atenta
à vida, em lugar de defendê-la, sente-se questionado diante de uma cultura de
morte, totalmente oposta e distante daquilo que Jesus Cristo nos revela. Nós mesmos somos os primeiros a pôr em
questão todo o nosso trabalho de MC, fazendo nossas as palavras daquela locução
a Franca que iniciava dizendo:
“Escuta-me
filha: muitos vós dirão...
mas onde estão as vossas obras?
Para que serve o vosso MC...
Com tantos drogados, os doentes e os
pobres?...”
Confesso que muitas vezes estas
perguntas ressoaram em meu coração e no de tantos irmãos do MC. Assim como
estas perguntas nos foram dirigidas também por parte da Hierarquia da Igreja e
de outros cristãos, desejosos de encontrar em nós uma colaboração concreta, em
alguma das pastorais de paróquia ou de diocese, pois grande é o esforço por
parte delas para realizar as palavras de Jesus “para que todos tenham vida e
vida plena”.
Conhecemos o resto da locução,
na qual foi dada a Franca a seguinte resposta:
“... como são
estultos! Eu também disse:
Mas quando virei,
encontrarei ainda fé sobre a terra?
O MC existe
justamente para preparar o povo
para uma fé granítica, que perdure até a minha vinda.
Se
não existir uma fé profunda enraizada, convicta,
Nem
as obras têm muito êxito, porque elas acontecem pela fé.
Sem
mim nada podeis fazer”. (26.02.92)
Não gostaria que esta locução
fosse interpretada ou servisse para concluir que então a missão do MC não é a
de preocupar-se com obras sociais e iniciativas de promoção da vida, mas que
sua única preocupação deve ser a fé, isto é, promover atividades de catequese,
encontros de espiritualidade, jornadas de estudo que possam ajudar a
redescobrir sua fé em Jesus. Se assim
fosse, correríamos o perigo de voltar ainda ao ponto de partida da tensão antes
citada, diante da qual acabamos optando por um dos pólos da tensão (a fé),
contrapondo-o ao outro (as obras), afastando-nos definitivamente do caminho da
vida.
6. Integrar a fé com a vida
Se o MC deve preparar o povo a
uma fé granítica, deve ajudá-lo a superar justamente este conflito. Uma fé
separada das obras não pode perdurar até a vinda do Senhor, assim como um
compromisso social pela vida não pode ter êxito, se faltar a fé no Senhor da
vida, que é Jesus Cristo, e a confiança nele que conduz nossa história.
Como podemos conseguir isto se
o âmbito de interesse do MC se limita aos carismas extraordinários, conforme o
seu carisma de fundação? Não seria melhor sermos realistas e afirmar que a
nossa missão é interessar-nos pelos carismáticos e a outros o Senhor confiará a
missão de exercer obras de solidariedade e de fraternidade que ajudem a
promover à vida? Não, não e não. Seria de novo voltar ao ponto de partida, ao
conflito inicial que tanto pode angustiar a quem, nesta tensão, não busca o
equilíbrio.
A integração entre fé e vida,
entre a dimensão espiritual e a dimensão da caridade, entre obras e fé, deve
ser procurada por cada cristão, dentro de sua missão específica. No nosso caso devemos ajudar os confidentes
para que saibam fazer uma leitura completa do seu fato carismático, evitando de
apresentá-lo em forma dicotômica, na contraposição de fé e obras, de forma
reduzida, optando unicamente por uma fé que convida a mudanças religiosas, mas
que não chega a transformar a vida.
Em seguida, devemos colaborar
no discernimento dos carismas, para que, dentro do dom recebido, possa ser
conhecida e identificada a sua finalidade, que sempre toca em aspectos
concretos de nossa vida a serem transformados. Deus envia novos carismas a seu
povo justamente para que se alcance aquela vida plena, que Jesus Cristo veio
nos trazer e da qual Ele é o caminho. Não há carismas que não atingiam o
concreto de nossa existência.
Às vezes, nós também podemos
dar a impressão de que o nosso interesse em acolher e aprofundar os carismas é
devido antes ao extraordinário que acompanha estes fatos, mais do que às
propostas de vida que estes mesmos acontecimentos nos apresentam. Para nós do
MC o interesse e o estudo dos carismas deve sempre e unicamente conduzir-nos a
buscar o sentido de tais fatos, que, se forem autênticos, devem
obrigatoriamente ajudar no crescimento humano e espiritual da vida pessoal,
comunitária e social. Neste sentido, se
torna mais claro porque o amor à verdade deve prevalecer sobre o interesse
pelos fenômenos extraordinários, se queremos de fato contribuir para que a vida
vença. Com a verdade se atua e se constrói, nos lembrava Franca, enquanto que
com o interesse pelo extraordinário em si, se sonha e nada se constrói.
7. Três
exemplos de integração
O MC deve prestar muita atenção
a este ponto, não esvaziando conteúdos carismáticos com esquemas mentais pré
constituídos, que gostam de reduzir os fatos extraordinários a uma leitura
parcial e imediata, sem captar o conteúdo vital neles presente. Ao mesmo tempo,
deve ajudar o confidente ou carismático a tomar consciência de que, por
primeiro, deve manifestar em sua vida o sentido que está presente no dom
extraordinário recebido.
Permitam-me lhes apresentar
alguns exemplos:
1.
Santa Catarina de Sena
Mulher, leiga, iletrada, que
recebe do Senhor grandes dons místicos, que ela partilha e dita a uma pessoa
amiga. Nos escritos, que a tornaram doutora da Igreja, é apresentado todo um
caminho de fé muito fascinante e extraordinário. Alguém poderia então estudar
estes dons místicos, concluindo que Catarina foi privilegiada com visões,
locuções interiores e experiências profundas de fé, como se o seu carisma se
resumisse nisso.
Pelo contrário, esta primeira
descrição apresenta-nos a fonte de onde Catarina recebia forças, coragem,
intuições para enfrentar o que ela fez na vida. Esta pobre e simples mulher,
encontrava coragem para se colocar ao lado de um jovem, condenado a ser
decapitado e que desesperado não queria morrer.
Ela não pode revogar uma pena de morte por motivo de traição, decretada
pelo Governador, mas mesmo assim encontra força para subir ao patíbulo com o
condenado e com sua presença viva e suas palavras, prepará-lo ao encontro com o
Senhor da vida. A cabeça do jovem foi cair justamente no peito de Santa
Catarina, que guardará a veste manchada pelo sangue dele, como um sinal da vida
que Jesus veio nos dar com o derramamento do seu sangue.
Em virtude dos seus dons
místicos, Catarina se tornou uma grande política: teve a ousadia de enfrentar
as famílias divididas da cidade de Florença que se faziam guerra entre si,
ajudando-as a superar os ódios recíprocos, reconduzindo a cidade a um clima de
paz. E ainda mais teimosa se demonstrou
quando foi até Avinhão, na França, pedir ao Papa que voltasse a residir em
Roma, pois lá devia ser a sede do sucessor de Pedro, apesar das ameaças e da
expulsão que este tinha sofrido, O Papa se deixa convencer pelas palavras desta
pobre mulher e atende ao seu pedido voltando para Roma.
Estes fatos fazem parte dos
dons extraordinários de Santa Catarina, cujo carisma não pode ser reduzido só
ao fato de ter tido visões, locuções interiores, ditados de vida espiritual.
Mas toda esta riqueza espiritual, acompanhadas por uma intensa vida de oração e
de intimidade com o Senhor, lhe davam lucidez, forças, ousadia para promover a
reconciliação e a paz, num serviço aos irmãos que hoje chamaríamos, em termos
atuais, um trabalho altamente político.
2.
Madre
Eugênia Ravasio
Outra pessoa carismática é
Madre Eugênia Ravasio, que se torna importante
não somente porque com sua experiência extraordinária de fé nos ajudou a
redescobrir o amor misericordioso de Deus Pai, mas porque sua vida foi o
testemunho mais comovedor de um Deus, que é Pai de todos os seus filhos, de
maneira especial, dos mais esquecidos e marginalizados. Eles também devem acreditar no amor deste Pai e sentir-se
amados por Ele e chamados a seguir Jesus Cristo para alcançar uma vida digna e
em abundância.
Assim depois de oito anos
trabalhando em fábrica, decide ser irmã missionária. No convento encontra
dificuldades, mas aos poucos aprende os valores profundos desta sua
consagração. É consciente de que será santa não porque mora num convento, mas
porque, unida a Deus, saberá respeitar as regras e exercer a caridade para com
as outras irmãs, ajudando-as em suas necessidades.
Imprevistamente é nomeada
mestra das noviças e em seguida eleita Madre Geral por doze anos. Na sua
aparente fragilidade humana, fortalecida pelas suas experiências místicas,
Madre Eugênia luta pelas suas irmãs, por uma posição digna no trabalho contra a
maneira discriminatória de tratar a
mulher, própria daquela época. Da mesma forma, entra com enorme coragem na luta
em favor dos leprosos da Costa de Marfim, jogados numa ilha daquele país e
abandonados à solidão e ao desespero.
Ela vai até a ilha dos
condenados, os consola e lhes promete que enviará lá as suas irmãs e abraça
aquelas pessoas sem medo de se contagiar, para que elas acreditem no seu amor e
nas suas palavras.
Aqui se manifesta a grandeza e
a realidade do carisma de Madre Eugênia. Ela não foi privilegiada só por ter
dons místicos, mas porque sobre traduzir estes dons em obras. Por causa destas
obras se torna mais forte e compreensivo o testemunho do amor misericordioso do
Pai que ela anunciava e pregava, ousando ser solidária com quem já estava
condenado pela sociedade e manifestando assim o amor misericordioso de Deus que
é Pai mesmo de todos.
3.
Franca,
fundadora do MC
O mesmo diga-se de Franca, fundadora do MC de Assis, cujo
carisma não pode ser reconduzido simplesmente ao fato de ter dado início ao MC
ou de ter oferecido um abundante material de locuções, que fundamentam a obra
do MC e a sua espiritualidade. Como todo fundador, ela tinha que viver sua
vocação, no caso de esposa e mãe, e sua
missão de se deixar conduzir pelo Senhor numa obra que superava sua compreensão
e que ela mesma não tinha condições de conduzir e administrar. Aliás uma obra que
cabia a ela anunciar, mas que deveria ser a Hierarquia da Igreja a realizar e
conduzir.
Como profeta, ela vive o
sofrimento próprio dos profetas que são instruídos pelo Senhor, sabem o que
Deus quer e o anunciam ao povo, à Igreja, para que quem tiver poder e
autoridade possa realizar tal obra, promover esta iniciativa, permitir a
intervenção do Pai na história de seus filhos e filhas. Por isso, lutará até o
fim para manter vivo este Movimento, tornar-se-á presente no meio da Hierarquia
de forma corajosa e às vezes até
insistente, sem desanimar diante da frieza ou indiferença de muitos e
sem perder a coragem diante das peripécias a que será submetida e diante das
dificuldades que os seus próprios filhos do MC irão apresentar-lhe.
Mas o projeto de algo novo, por
parte do Senhor, não a afasta do seu compromisso com a vida de todos os dias,
como mãe, esposa e como cristã. Vai ser difícil para ela administrar este
carisma no seu cotidiano e não permitir que este a afaste dos seus compromissos
de família e dos seus deveres de
cristã. Assim vai viver este dom
recebido de Deus, com muita humildade, na consciência de ser um simples
instrumento nas mãos de Deus, o seu “nada operante “ e com muita fé, muita fé
mesmo, naquele Senhor da vida, que não vai permitir que se engane e engane os
outros; que não vai deixar que outros mais cultos e mais sábios se intrometam
de forma indevida na obra que é dele.
Ao mesmo tempo, consciente de
que se tivesse todos os carismas deste mundo, mas não tivesse a caridade e o
amor nada seria, não se esconde atrás dos dons extraordinários recebidos para
eximir-se de uma fraternidade e solidariedade para com o próximo de cada dia.
Nela toda esta experiência carismática se repercute num crescendo de abertura à
vida, assumindo sobre si a vida dos outros.
Procura ajudar um pobre viúvo,
pais de dois filhos, que não sabia mais o que fazer depois da morte da esposa,
acolhendo em casa, em certos momentos, os dois filhos dele.
Uma sua amiga teve um filho, concomitantemente
com o filho Fernando que Franca teve, mas a amiga não tinha leite para
amamentá-lo: partilhará com ela o leite, amamentando o próprio filho e o da
amiga.
Mas pode ser também a falta de
fé de um jovem, que jogava sinuca, num bar de São. Damião Piacentino, a chamar
a atenção dele e a provocá-lo, dizendo que ela sabia o por que ele tinha errado
uma jogada que o fez ficar tão brabo.
Ou podia ser o jovem que caiu
da moto e que ela correu para socorrê-lo e que com seu lenço tentou limpar de
suas feridas, mas que de forma arrogante não quis ser atendido.
Assim como o preso de uma penitenciária, para
o qual ela escrevia constantemente animando-o e dando-lhe esperança de se
renovar e que o preso agradecido a chamava de mãe, pois na vida ele não tinha
tido um afeto de mãe.
Quantos de nós foram
testemunhas de tantas horas gastas ao telefone para consolar, animar,
repreender e apaziguar pessoas conhecidas ou amigas, do MC ou não, sempre no
intuito de dar esperança e animar a vida de tantos irmãos e irmãs.
Também no Brasil, chegou o seu
testemunho de fraternidade e de cordialidade entre as pessoas que a conheceram
e não deixou de impressionar pelo seu amor, que a levava a abraçar e tomar no
colo as crianças sujas das favelas de Salvador ou a estender a mão e a abraçar
os leprosos da Colônia Getúlio Vargas de João Pessoa, que visitou e onde
recebeu locuções lindas, em que o Senhor lhe fazia entender que justamente lá
onde a vida corporal parece se extinguir e apodrecer, Ele sabia preparar e
formar corações apaixonados por Deus como o de Seu Zé, evangélico, há quarenta
anos leproso, já em fim de vida, mas que conseguia comunicar a Franca a beleza
da vida que nos espera junto de Deus. Deixaram-se com um até logo e um aperto
de mão bem amigo e fraterno.
Enfim, a lembrança viva em
todos nós do seu último dia de vida aqui conosco, quando Franca, embora
gripada, vai solucionar o caso de uma sua amiga, internada numa clínica
psiquiátrica pelos parentes, ávidos da herança dela. Apesar do frio daquele dia
e de sua gripe, vai até a clínica e consegue que o médico dê alta imediatamente
à sua amiga.
Mas foi também pelo grande amor
ao Deus da vida que Franca aceitou o
calvário e os sofrimentos que a obra do MC lhe proporcionou. Como fundadora,
confiante no amor do Senhor e sustentada pelas locuções e dons que recebia,
soube enfrentar com coragem as tremendas
crises pelas quais o MC teve que passar.
Traída pelas pessoas em que
mais confiava, desprezada pelas suas limitações por sacerdotes arrogantes,
olhada com compaixão por não saber lidar com mais firmeza o Movimento e criticada
muitas vezes pelas escolhas erradas de pessoas que admitia ao MC ou aos cargos
mais importantes do Movimento, Franca continua esta obra se colocando de
verdade nas mãos de Deus, sempre mais consciente de ser o “nada operante” do
Senhor, permitindo assim que este MC querido por Deus, possa continuar... até
hoje.
“Franca... estamos quase prontos para a minha vinda sobre a terra.
O MC será sobre a terra o meu Parlamento, não porém para debater leis,
O MC será sobre a terra o meu Parlamento, não porém para debater leis,
mas para transmitir novidades de
vida que não conheceis”. (10.07.90)
Conclusão
As novidades de vida que nos
esperam só podem ser recebidas e entendidas por quem do MC ou não, acredita no
Senhor da vida que conduz nossa história e assume o compromisso de lutar pela
vida em todos os seus aspectos, mostrando-se solidário e fraterno sobretudo lá
onde a vida está mais ameaçada e ferida.
Dar a vida pelo triunfo da vida
é ser digno do seguimento de Jesus Cristo,
é ser digna de participar junto com Deus da mesma vida plena, que o
Senhor nos revelou em Jesus Cristo; é realizar em plenitude a nossa vocação ao amor.
Que a atenção aos carismas e
carismáticos não nos afaste de um compromisso solidário com quem sofre, nem se
torne desculpa para nos omitir-nos. Pelo contrário, no nosso trabalho no MC e
com os confidentes, ajudemo-nos para que não se separe a vida dos carismas,
colaboremos para que o confidente saiba entender e descobrir que o seu carisma
abrange toda a sua vida e não só o momento
de locução, visão ou aparição e que será cada vez mais autêntico e acolhido
pela igreja, na medida em que haverá esta integração entre a manifestação de
Deus e o amor extraordinário aos irmãos, a começar pelos mais pobres e
abandonados.
Desta forma, o MC poderá
colaborar muito mais no discernimento dos carismas junto à Hierarquia e ajudará
os confidentes a entender que o seu dom especial, recebido gratuitamente pelo
Senhor, se manifesta na mensagem ou locução recebida, integrada no serviço
atento e despretensioso aos irmãos. Que o MC possa continuar esta sua missão, seguindo
sempre Jesus Cristo caminho, verdade e vida, aquele que é, que era e que vem.
O Senhor reina !
Alegremo-nos, pois
Ele vem
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