quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

I Congresso Internacional da Itália







Eu sou  o Caminho, a Verdade e a Vida
para o MC e o  mundo



Pe. João Pedro Cornado, SJ











Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida
 do MC de Assis e  do mundo










I CONGRESSO INTERNACIONAL
do Movimento Carismático de Assis


Santa Maria degli Angeli

6 – 9 de julho de 2001

 

 

Centro de Estudos do MC de Assis

Salvador  2003

 




Apresentação




 

 

Um dos acontecimentos mais importantes, na história do Movimento Carismático de Assis, foi o primeiro congresso internacional, realizado no ano de 2001na Itália, em Santa Maria degli Angeli, povoado cerca de Assisi, terra de S. Francisco.

Sugerido por locução pelo Senhor, este evento tornou-se inicialmente motivo de grande perplexidade, pois parecia impossível realizá-lo, sobretudo para nós brasileiros, que tínhamos que viajar até lá. Mas o que parecia impossível aos homens, tornou-se realidade pela graça de Deus, que conduz este seu movimento, sobretudo em circunstâncias mais difíceis como a realização dos congressos.


Oferecemos aos nossos amigos, por enquanto, a conferência dada pelo Pe. João Pedro Cornado, SJ , nosso Diretor Responsável pelo MC de Assis no Brasil, na certeza de poder oferecer quanto antes todas as palestras e debates que se realizaram naquele congresso.


Pe. João Pedro tentou aplicar ao mesmo Movimento o tema, proposto pelo Senhor, para que cada membro do MC de Assis soubesse entender o que significa na vida de cada consagrado seguir Jesus, caminho, verdade e vida, dentro do contexto atual.


        Como sempre, a cada parte da palestra está subjacente uma série de locuções,  dadas à Franca, fundadora do MC, sobre as quais o autor se detêm para aprofundar o tema proposto e ajudar-nos a conhecer algo mais desta rica fonte, que é a espiritualidade do MC.

Desejamos que os grupos do MC, os amigos e simpatizantes do Movimento, possam usufruir deste trabalho e sentir-se atraídos cada vez mais por Aquele que é o Caminho a Verdade e a Vida de todos nós.






Centro de Estudos do MC de Assis




Eu sou  o Caminho, a Verdade e a Vida para o MC e o  mundo

 


INTRODUÇÃO


Não é empresa fácil relacionar os seis elementos do tema deste nosso congresso: Eu Sou, caminho, verdade, vida com é (presente), era (passado), vem (futuro) dentro de nossa vida de MC, de sua espiritualidade e de sua missão.

Somos convidados inicialmente a refletir sobre a vivência atual da fé cristã, do testemunho que nós cristãos estamos dando, diante dos desafios do nosso mundo moderno; depois, na contemplação do Cristo, como é apresentado nos evangelhos,  seremos capazes de enfim sublinhar a relevância da proposta cristã, em termos de futuro do mundo.

Devemos prestar atenção, quando se fala do “aquele que era” referido a Jesus, de evitar uma linguagem abstrata e complicada, que para a origem eterna de Jesus, etc., que mais pode atrapalhar do que ajudar; assim como, quando falar de futuro, “o que vem”, é bom evitar de descambar para um escatologismo apocalíptico e messiánico, que produz medo e bloqueia as pessoas, ao invés de motivá-las para a ação.

Neste momento, convido os meus irmãos e irmãs do  MC a repensar as experiências extraordinárias com as quais lidamos no dia a dia, de modo a não dar origem a uma espiritualidade desencarnada, que busca o espetacular e se descuida da missão que temos de transformar nosso mundo, a partir da fé em Jesus Cristo Caminho, Verdade e Vida. Em outras palavras, é preciso evitar que os membros do MC sejam vítimas daquele euforismo carismático que em muitos ambientes parece tomar conta, pelo menos, de muitas igrejas católicas e pentecostais, assim como de certos movimentos carismáticos. 

Neste sentido, este nosso Congresso nos oferecer a oportunidade de analisar o conteúdo do nosso Movimento, procurando nele os apelos de Deus para nós hoje no seguimento de Jesus Cristo. Assim o MC poderá ser um Movimento relevante em termos cristãos e poderá oferecer sua colaboração para a missão da Igreja, no mundo a ser evangelizado.



EU  SOU


           I.  EU SOU



Quando Deus quer intervir diretamente na história da humanidade, Ele se faz presente através de seus profetas, aos quais anuncia o que Ele quer realizar. São os seus profetas os porta vozes diante do povo, das iniciativas ou das intervenções que o Senhor quer tomar para corrigir ou libertar o seu povo, de tudo que pode pedir o seu projeto de amor.  Foi assim ao longo da história do povo de Israel e assim continua sendo na história do povo de Deus e da sua igreja hoje.

São intervenções por parte do Senhor, que não limitam a liberdade do homem e da mulher, nem impõem escolhas pré estabelecidas, mas indicam passos a serem dados, inovações a serem introduzidas, correções de rota a serem feitas. É justamente o mistério do encontro da liberdade humana com a liberdade de Deus, no qual ambas não se contrapõem, mas atuam no amor que une o Senhor às suas criaturas.

Historicamente o Senhor se apresenta através de pessoas escolhidas, os seus profetas, que denunciam ao povo seus pecados, seus erros e anunciam valores novos ou antigos que foram esquecidos e que são necessários para redescobrir o caminho certo que Deus aponta para o seu povo.  Suas intervenções não são dirigidas diretamente às autoridades, ao Faraó, aos sacerdotes do povo, mas aos profetas que são informados das novidades de Deus que devem ser anunciadas. Mas o profeta não tem poder para agir, só pode anunciar. Cabe então a quem detém o poder discernir, avaliar e por em prática o que for percebido como vontade de Deus.

Assim Moisés foi enviado ao Faraó, para pedir a libertação do povo de Deus, assim Franca foi enviada a Hierarquia da igreja católica para anunciar o Movimento Carismático de Assis. Na comparação dos dois casos, quero sublinhar como não muda a forma de Deus atuar, como o seu modo de agir é sempre o mesmo, porque Ele é fiel ao seu povo. A partir do seu contexto, os mesmos sinais e passos se repetem na vida de Moisés e de outros profetas.

O paralelo entre Moisés e Franca pode nos ajudar a perceber como o Senhor é fiel ao longo da história, como o Eu Sou é o caminho que seu filho Jesus nos ensina para partilhar com Ele de seu amor e de sua vida plena. Ao mesmo tempo, este paralelo nos ajuda a perceber que o EU SOU e Deus de Abraão, Isaac e Jacó é o mesmo que atua hoje no Movimento Carismático de Assis, através de Franca e de todos nós.

          Paralelo entre Moisés e Franca


É interessante fixar a nossa atenção sobre a maneira de Deus chamar Moisés para a missão que lhe queria confiar. É justamente neste momento que se nos revela o Eu Sou, o nome de Deus, pelo qual Moisés fez maravilhas e pelo qual os apóstolos anunciaram a Boa Notícia de Jesus. Ainda é neste nome que hoje outras maravilhas acontecem no mundo e na Igreja de Jesus Cristo. Vamos acompanhar os passos que nos levam a descobrir o Eu Sou presente por Moisés na história do povo de Israel e presente na nossa história do MC por meio de Franca.

1.      Deus atrai a sua atenção através de um fenômeno surpreendente, a sarça ardente.  O surpreendente não é a sarça que queima imprevistamente, mas o fato dela não se consumir, é isso que chama a atenção de Moisés.
Também Franca foi surpreendida por um fenômeno maravilhoso e surpreendente, a visão do braço luminoso, que a acompanhava durante o seu serviço domestico de limpar o chão. Era um braço luminoso que Franca não tem palavras para descrever.

2.      Moisés recebe uma missão: “Eu ouvi o clamor do meu povo... vai eu te envio para fazer sair do Egito o meu povo”.  Diante desta missão, Moisés sente toda a sua pequenez e se pergunta “Quem sou eu para ir ao Faraó e fazer sair do Egito os filhos de Israel”?
Também Franca recebe um chamado para uma missão. “Franca, te chamo a coisas grandes”.  No começo ela não entende, nem sabe o que significa este chamado, que aos poucos irá se identificar com a missão de reunir todos os confidentes do Senhor, num só movimento, para apresentá-los a Hierarquia da Igreja.  Franca também fica perplexa na consciência do seu nada.  Quer colocar o seu nada nas mãos de Deus, por isso reza uma prece recebida por locução “Eis me aqui Senhor, podes fazer de mim a tua obra prima.  Podes revolver-me, podes seduzir-me. Eis me estou aqui. Valho pouco, mas sou tua.  Estou pronta a amar-te, estou pronta a seguir-te, estou pronta a servir-te”.

3.      Moisés, consciente de sua pequenez e, a confirmação de sua missão e como prova que Deus estará com ele, recebe agora um sinal. Aliás, são três sinais mais imediatos e visíveis que o Senhor oferece a Moisés para confirmar a sua missão: o da vara que se transforma em cobra; o da mão que se torna leprosa e logo sara e o da água do rio que se transforma em sangue (Ex. 4,1-9).
Para Franca os sinais foram dados segundo os pedidos de Pe. Giustino, seu padre espiritual, que lhe comunica ser necessário ter milagres para que a Hierarquia possa acreditar na missão dela.  Todos nós conhecemos os fatos. Primeiro acontece o milagre de Pierina Gilli, orientada espiritualmente por Pe. Giustino, que depois de vinte anos, volta a ter, de novo, aparições de Nossa Senhora, sob o título da Rosa Mística, realizando assim as expectativas do seu padre espiritual.  Este, porém, pede também um milagre objetivo, que possa ser comprovado.  Franca adoece de tumor na espinha e, antes de ser internada para se submeter a operação, é sarada imediatamente por Giovanni Leonardi, um senhor com dom de cura, enviado de uma maneira especial pelo Senhor para sarar Franca e assim confirmar a sua missão.

4.      Mas, para toda e qualquer missão é necessário ser enviado por alguém. Receber uma missão de Deus significa testemunhar que foi Ele quem enviou. Por isso Moisés pergunta o que dirá ao povo, quando este quiser saber quem o enviou.  E Deus disse a Moisés: “Assim dirás aos filhos de Israel: Javé, o Deus de vossos pais me enviou até vós, Eu Sou me enviou até vós. Este é o meu nome para sempre, e esta será a minha lembrança de geração em geração”.
E com este mesmo nome, Eu Sou, que Deus se manifesta também a Franca, revelando-lhe mais concretamente quem Ele é: Eu sou o invencível, Eu sou o impossível que posso, Eu sou o inalcançável que alcança, Eu sou o inumerável rosto... revelando-lhe algo do que é contido neste nome e que nós rezamos naquela oração do Eu Sou que já se tornou patrimônio de nossa espiritualidade.

“EU SOU”, o nome do nosso Deus, pode ser traduzido para nós como “Eu sou aquele que sou, Eu sou o existente”. Deus é o único verdadeiramente existente, mas ao mesmo tempo significa que, para nós, Ele é transcendente e permanece no mistério. E, também, que Ele age na história do seu povo, orientando-a para um fim. Por isso, temos aqui, em embrião, aquilo que será resumido no livro do Apocalipse, onde Deus é chamado “Aquele-que-é, Aquele-que-era, Aquele-que-vem, o todo poderoso” (Ap.1,8), o princípio e fim de todas as coisas.

Este nome glorioso de Javé, Eu sou, revelado a Moisés e que perpassa toda a história do povo de Deus se torna mais acessível na vida dos homens por meio de Jesus. Este se revela para nós como o Eu sou, caminho, verdade e vida, que nos leva ao Pai e que nos envia o Espírito Santo, o Consolador, para que possamos ser consagrados na verdade e possamos chegar a ter vida plena e abundante, à plenitude da vida.  O começo da nossa reflexão sobre o tema deste nosso congresso, nos abre logo à dimensão trinitária de nossa fé e com Franca rezamos “Santíssima Trindade, abre-nos o caminho”.



Eu Sou o Caminho

Aquele-que-é,
Aquele-que-era,
Aquele-que-vem.




  
E para onde Eu vou, conheceis o caminho.
Tomé disse a Jesus: “Senhor,
não sabemos para onde vais.
Como podemos conhecer o caminho?
Diz-lhe Jesus: “Eu Sou o caminho”.
(Jo 14,4-6)


II. Eu Sou o Caminho

Aquele-que-é, Aquele-que-era, Aquele-que-vem





Para o desenvolvimento de nosso tema encontramos uma dificuldade em apresentar Jesus Cristo, Caminho, Verdade e Vida, Aquele-que-é, Aquele-que-era, Aquele-que-vem. Como ter uma visão de Jesus Cristo, aquele-que-é, que seja atual para nós hoje, sem limitá-lo aos condicionamentos do tempo presente que estamos vivendo?  Como refletir sobre Jesus Cristo, aquele-que-era, sem confiná-lo no passado de sua experiência humana e sem projeta-lo num futuro (Aquele-que-vem) a curto ou a longo prazo, onde se acaba sempre por separá-lo e contrapô-lo a nossa vida atual ?
          Parece-me extremamente rica a unidade que o título do tema do Congresso nos apresenta. Jesus Cristo, o Eu Sou feito homem, pode se tornar para cada um de nós Caminho, Verdade e Vida, na medida em que consigamos manter unidos nele Aquele-que-é, Aquele-que-era, Aquele-que-vem. Por sua vez, Aquele-que-é, Aquele-que-era, Aquele-que-vem será em Jesus Cristo o Caminho que, na descoberta da Verdade plena, nos faz chegar à Vida total  e abundante.

Vamos tentar uma abordagem que nos ajuda a aprofundar, a partir de nossa espiritualidade do MC, a riqueza que Jesus deixou em nossas mãos, por meio de Franca, para que possamos ter consciência da grandeza da missão à qual nos convidou e nos convida consagrando-nos ao MC por Ele querido.

Jesus é o caminho, enquanto nos revela o Pai. Só por ele podemos ter acesso ao Pai. Bastante desnorteado pelas palavra de Jesus, que anuncia a sua ida para preparar-nos uma morada, Tomé apóstolo pergunta ‘como podemos conhecer o caminho, se não sabemos aonde vai?’(Jo 14,5). Jesus o assegura que ninguém vai ao Pai se não por Ele e quem conhece Jesus está conhecendo o caminho que leva ao Pai.

Somente a fé sabe discernir a presença do Filho no Pai e do Pai no Filho. Somente a fé nos ajuda a reconhecer em Jesus Cristo a realização do projeto do Pai. Mas Felipe gostaria de ter uma manifestação fulgurante do Pai, por isso pede a Jesus que lhe mostre o Pai. É a tentação de sempre, também de todos nós, a de querer conhecer Deus sem necessidade de percorrer um caminho de fé, sem necessidade de Jesus, caminho que leva ao Pai.

Mas Aquele-que-é, Aquele-que-era, Aquele-que-vem  nos aponta o encontro com Deus como caminho que se realiza em Jesus Cristo. Se queremos chegar à vida plena e eterna devemos aceitar humildemente este caminho que nos é proposto, porque é por ele que se realiza a plenitude de nossa história. Não há vários caminhos, assim como não há duas histórias: a da humanidade e a de Deus.

Diante da tentação sempre presente de separar a história de Deus e a dos homens, diante do perigo de considerar  a nossa história quase sem sentido ou, no máximo, um meio para sermos dignos de participar da vida de Deus, Jesus nos indica claramente que ele veio para anunciar o grande amor misericordioso do Pai, que tanto amou este mundo e por isso nos enviou seu filho Jesus Cristo (Jo 3,14).

Este princípio básico, de que Deus é presença salvífica na história da humanidade, é fundamental para o povo de Israel. Deus não fica assistindo à evolução de um mundo, à construção de uma história, mas por Jesus Cristo se compromete e mostra sua participação amorosa, ativa e sua radical fidelidade a esta história. É nela que o homem encontra Deus e seu dom de salvação e não fora dela. A nossa história, então, não é apenas o lugar onde devemos inserir-nos para servir a Deus, mas antes é o lugar da revelação de Deus, por isso Jesus, o Messias enviado pelo Pai,  se faz um de nós e, fiel a esta nossa história, nos indica o caminho por onde a humanidade deve orientar a história, para que seja conforme o projeto de Deus Pai.

É da mente do Pai que nasce este projeto de Deus, que se concretiza na história da humanidade e hoje nesta história que estamos vivendo. Por isso, Jesus convidava Franca a rezar sempre o Senhor para que ela pudesse entrar no pensamento dele e ser lançada no seu projeto. Louvemos nós também a mente de Deus Pai, da qual surgiu esta história maravilhosa e, ao mesmo tempo, terrível que estamos vivendo e da qual nós também somos os construtores.

Por fidelidade a esta história, Jesus vive plenamente a sua vida de judeu, assume a história do seu povo e nela realiza o projeto do Pai, indicando para nós que o caminho que leva ao Pai só poderá passar pela história na qual o Senhor nos quis, pela geração na qual nós nos encontramos a viver neste momento.

Neste sentido, embora não nos identificando com a mentalidade deste mundo e em ruptura com os contravalores que este oferece, o discípulo de Jesus é chamado a amar este mundo; a chorar sobre a sua cidade, o seu país, assim como Jesus chorou sobre o seu povo olhando para Jerusalém; a se deixar crucificar se for necessário para que este mundo, que Deus tanto ama, possa ressuscitar a uma realidade nova, a um mundo novo.

Seguir o caminho de Jesus é entrar pela porta estreita, onde o discípulo é convidado a percorrer o mesmo itinerário do mestre, isto é o caminho da cruz. Em vista disso, exige-se dele uma profunda conversão, uma radical mudança de mentalidade. Não basta confessar abertamente, como Pedro, o messianismo de Jesus (Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo), mas é necessário compartilhar com ele do seu caminho. Seguir o caminho de Jesus Cristo é seguir o caminho da cruz, como o mestre, que disse ‘Aquele que quiser salvar sua vida, perdê-la-á, mas quem perder sua vida por causa de Mim e do evangelho salvá-la-á (Mc 8,35).

Os discípulos, quando começaram a seguir Jesus Cristo, tinham idéias erradas sobre Ele e o seu messianismo. Eram prisioneiros daquelas várias e diferentes expectativas, que alimentavam o povo de Israel. Mas, diferentemente da multidão, os discípulos tinham uma adesão pessoal ao Cristo e, por isso, permaneceram sempre juntos ao mestre (‘Onde iremos, Senhor, só Tu tens palavras de vida eterna’, dirá s. Pedro em nome de todos). É nesta adesão profunda, radical e apaixonada ao Senhor Jesus e ao caminho que Ele nos aponta, que se enraíza a nossa espiritualidade cristã e de MC.


1.   Farei um Caminho Santo:

O caminho de Jesus, apresentado a Franca, é o mesmo caminho indicado ao profeta Isaias ‘Farei um caminho santo, os imundos não poderão passar por ele e os ignorantes não serão confundidos’ (Is 35,8). Este caminho deve ser o caminho do MC!

Não significa que este caminho se identifica somente com o MC. Não é algo exclusivo do MC, mas é só por ele que o MC deve enveredar e contribuir com sua parcela para a história da humanidade.

Pertencer ao MC significa a vontade firme de seguir por este caminho santo, cuja santidade não consiste na capacidade de entender tudo que deve ser feito, mas na conduta do homem, na maneira de ser de toda a comunidade dos fiéis.  Com o salmo (Sl 119,1-3) somos convidados, então, a rezar todos os dias ‘Felizes os íntegros em seu caminho, os que andam conforme a lei do Senhor! Felizes os que guardam seus testemunhos, procurando-o de todo o coração e que, sem praticar a iniquidade, andam em seus caminhos’.


2.    As provas de amor

Em que consiste para nós do MC percorrer este caminho de Jesus Cristo ?
Resume-se naquela locução: “As ‘provas de amor’ para Deus são a observância dos meus mandamentos: todos, não parcialmente. Sem esta ‘grife’, não podeis ficar no caminho santo. Sede santos, porque o verdadeiro MC é santo” (13.03.77).

O caminho do MC é, então, o caminho da santidade, predito por Isaías, que se consolida na medida em que assimilarmos os mandamentos de Deus em nossa vida. Mais uma vez, somos convidados pelo Senhor a rever nossa vida para perguntar-nos se, de fato, estamos trilhando o caminho traçado pelo Pai nos mandamentos da Aliança, que somos chamados a viver não somente como critérios normativos de conduta moral, mas sobretudo como valores a serem defendidos e sobre os quais construir nossa vida pessoal, pautar nossa vida de família e sobre os quais moldar a nossa sociedade.

Sem esta ‘grife’ não podemos ficar no caminho santo!
O Eu Sou entregou a seu povo, como sinal  de aliança, os dez mandamentos, para que norteassem toda a nossa vida e sobretudo garantissem nossa liberdade de filhos e filhas de Deus. Se o MC não assumir este compromisso fundamental, assim como a Igreja,  nunca poderá chegar à vida para a qual este caminho aponta.

Ainda hoje o povo e Israel e a Igreja experimentam esta realidade. O Senhor apontou, ao longo da história, este caminho de libertação e todas as vezes que o povo se esquece ou não quer seguir a Lei de Deus, todas as vezes que não educa seus filhos aos valores contidos em cada mandamento, perde a sua liberdade, se enfraquece e acaba dominado e destruído pelos seus inimigos. O mesmo pode-se aplicar ao MC. Por isso que a Franca foi dito:

‘Eu disse que o MC é o meu caminho santo: único descrito pelo profeta.
Nunca disse que ele faça ou tenha que fazer uma bifurcação.
                      Quem é causa de uma bifurcação, quem a procura, sai do caminho santo’
(18.10.76).

Não pode ficar no MC, nem ser um verdadeiro cristão, quem quer seguir Jesus Cristo do seu jeito, conforme os seus critérios. O compromisso inicial de quem começa a dar seus primeiros passos, neste caminho santo, deve ser o de viver a Lei do Senhor, que Jesus Cristo não veio abolir e sim a completar. Só na descoberta dos seus mandamentos, no conhecimento profundo de que cada um deles nos liberta e no empenho sincero e fiel de vivê-los, poderemos ser livres para amar, seguir e servir o nosso Deus.

“Não disse: ‘A verdade vos tornará livres? Livres de que?
Livres para amar e usar bem do Amor.
A liberdade é então o caminho, e Eu Sou o caminho” (01.11.79).

Se não nos tornarmos livres não poderemos ser novos, capazes então de abrir-nos às novidades e Deus.


3.  Manter-se no caminho santo


Quais caraterísticas devem nos acompanhar para manter-nos no caminho santo?  As locuções apontam para estes pontos que mais deveriam caraterizar a vida do cristão e ainda mais do membro do MC.

3.1. -  Deixar-se conduzir pelo Senhor

Deixar-se conduzir pelo Senhor, nosso caminho hoje e sempre,  significa romper os nossos esquemas, deixar que ele trace o seu projeto em nós, na consciência que nada podemos fazer sem ele.

“Sem Mim, nada podeis fazer! Não disse: podeis fazer pouco,
  não podeis fazer nada. Quanto mais vós me tomais convosco...
tanto mais conduzir-vos-ei. Eu sou o fio condutor”.

Como é difícil deixar-nos guiar pelo Senhor. Achamos, muitas vezes, que é suficiente saber qual é o caminho, para irmos adiante confiantes nas nossas forças, nos nossos planos, na nossa maneira de fazer as coisas. A final das contas, o Senhor não nos pede a nossa colaboração, não nos deixa livres para atuar como melhor achamos, não quer a nossa participação livre?  É aqui que se esconde o perigo maior para nós, em relação à nossa caminhada de Igreja e de MC. 

Quantas vezes, depois de ter descoberto um pouco o MC já queremos participar dele numa atitude de dono, sem manifestar ou sentir a necessidade de aprofundar este caminho santo. Parece infiltrar-se uma certa presunção de saber e de conhecer já tudo do MC e, então, acabamos considerando-nos como donos deste movimento, mesmo sem saber ainda bem por onde nos leva este caminho. Um olhar sincero à nossa história de MC nos revela como é fácil a tentação de sentir-se senhores do MC e não  simples servidores  de uma missão que o Senhor colocou em nossas mãos, para que saibamos levá-la adiante segundo o projeto dele. Não é para estranhar que todos os que quiseram ser donos do MC acabaram por ser afastados pelo Senhor mesmo.

Entre as várias locuções que falam a respeito podemos lembrar esta:

“Eu sou quem dirige o MC acima de qualquer crítica
que possa ser feita pelos outros.
Se ainda o MC não se alarga como quereríeis,
é porque Eu não acho ainda oportuno.
Eu tenho a minha hora e o meu momento para cada Associação.
Sede unidos. Alguém faz críticas demais...
Vós deveis somente semear e semear unidade.
Todo o demais virá por si”. (23.10.89)


3.2. -  Amar-se verdadeiramente

        Outra caraterística deste caminho santo é o amor recíproco que deve reinar entre nós. Cada um não anda sozinho por este caminho, mas está em companhia de outros com os quais deve saber partilhar sua vida e sua busca de fé.

“No caminho santo poderão ficar somente
os que verdadeiramente se amam,
que lealmente se querem bem.
Não quero diplomacias, mas simplicidade,
verdade e manter a palavra dada”. (22.07.80)

Para quem é chamado ao MC o caminho do amor é o caminho predileto de Jesus, que nos ensina a saber amar de maneira extraordinária, isto é, até o perdão, até dar a vida pelos irmãos. Mais do que o interesse pelos dons extraordinários em si, é o amor vivido de maneira extraordinária que nos deve unir e despertar admiração nos outros. “Olham como se amam os do MC”. Esta frase deveria ser repetida para cada um de nós, que aprendeu que o amor é a caraterística principal deste caminho, que Jesus nos ensinou através de sua própria vida.


3.3.-  A prática da vontade de Deus

Outra caraterística que nos é indicada pela espiritualidade do MC para manter-nos no caminho santo é a prática da vontade de Deus, sobretudo quando ela é feita por pura obediência aos apelos de Deus ou também quando não há um retorno de aceitação, um sinal de gratidão por parte dos outros.

“Praticar a minha vontade seja que se trabalhe para o MC ou não,

  isso vos mantém no caminho santo” (16.08.77).

Tarefa essa nem sempre fácil, sobretudo quando nem sempre conseguimos reconhecer a vontade de Deus em nossa vida. Muitos fatos, às vezes, indicam para nós que decisões tomadas não foram mesmo vontade de Deus, mas simplesmente opções pessoais, nem sempre bem discernidas ou nem sempre postas em práticas.

Há a tentação de limitar-se a um conhecimento vago da vontade de Deus, sem discernir o que o Senhor espera de nós, assim como na hora de pôr em prática as decisões tomadas, parece que nossa vontade não tem forças suficientes para corresponder a apelos verdadeiros e a desafios novos, que Deus nos aponta como  sua vontade para nós hoje.

Tornam-se sempre atuais as palavras de S. Paulo, quando convida a não ser simples ouvintes da Palavra de Deus, mas seus seguidores, verdadeiros cristãos que a colocam em prática. Sem medo, sem restrições, sem demoras.

Sem este compromisso verdadeiro em realizar em nós a vontade do Pai,  corremos o risco de realizar somente a... permissão de Deus e não a sua vontade. No respeito profundo de nossa liberdade, o Senhor permite que aconteça o que nós queremos, mesmo que não corresponda ao seu projeto. Mas fazer a permissão de Deus não é praticar a sua vontade, não é manter-se no caminho santo.

Fica para nós a pergunta se no MC, neste movimento por ele querido, cada um de nós está fazendo a vontade de Deus ou a sua permissão. Torna-se cada vez mais necessária rezar aquela oração, ditada em locução:

“Senhor, faz que eu veja para além dos meus conceitos.
Senhor, faz que eu veja para além dos meus juízos.
Senhor, dá-me a justa medida da tua misericórdia.
Senhor, dá-me a justa visão dos teus mistérios.
Senhor, resolve as minhas preocupações mais urgentes.
Senhor, desata os nós mais difíceis.
Deus da graça transfere-te em nós. 
Atendei-nos em nome de Cristo”.

3.4. -  O amor à Palavra de Deus

Permitam-me indicar mais um outro ponto que vai nos ajudar em prosseguir no caminho santo, ao qual o MC foi chamado. O que vai dar coragem em continuar firme a caminhada é a Palavra de Deus, que nos sustenta, anima e orienta o cristão na fidelidade a este caminho. Somente quem é fiel a Palavra de Deus vai adiante e supera todas as dificuldades que poderá encontrar, o desânimo que às vezes sentirá, a consciência de sua fraqueza e de suas limitações que sempre o acompanha, mas poderá tornar-se o ‘pecúlio de Deus’ (01.02.87).

A redescoberta constante da Palavra de Deus em nossa vida de fé nos ajuda a adquirir uma maneira nova de ler a história que vivemos: não tanto fundamentada na visão humana que registra os acontecimentos a partir de interesses particulares, mas numa leitura de fé destes mesmos fatos que nos oferece uma conotação toda particular e critérios bem diferentes de interpretar os acontecimentos, na perspectiva de colher a ação de Deus na história de hoje.

Sempre mais forte ecoa, em nosso coração, a locução de Franca :

“Filha, escreve. Amai as palavras do Senhor,
estudai-as, imprimi-as bem no coração e na mente.
Aderi a elas não por uma hora, mas para sempre.
Colocai ordem moral em vossos ambientes, onde viveis,
porque será pedido a quem podia com sua autoridade
introduzir-me e não o fez,
no meio familiar, na comunidade ou na Hierarquia...”

A Palavra de Deus é luz para o nosso caminhar, é lâmpada para os nosso pés, nos lembra o salmista [Sl 119 (118),105] e, por isso, quem não segue as palavras do Senhor acaba perdendo luz, fica só a um certo grau de luz e não tem condições de compreender este caminho de santidade, que só se torna acessível para quem presta atenção e guarda em seu coração a Palavra de Deus como a Virgem Maria e todos os que seguiram Jesus caminho, verdade e vida.

Gostaria de concluir esta primeira parte do Eu Sou o caminho, com as palavras que Franca escrevia no seu Diário espiritual, antes ainda do início do MC:

 


PRECISO DE TI !


Eu preciso de Ti Senhor, hoje, amanhã e sempre.
Eu preciso de Ti para amar,
preciso de Ti para perdoar,
preciso de Ti para continuar.
Tens razão quando no Evangelho falas
de... caminho estreito, de caminho apertado,
porque é difícil achá-lo.
A estrada, às vezes, é escura e
os espinhos sangrentos podem penetrar em nós.
Eu preciso de Ti!  Vem comigo!
Faz que eu veja com os Teus olhos,
que ame com o Teu coração,
que perdoe com a Tua generosidade,
que escute com os Teus ouvidos
e não seja surda quando meu próximo precisa de ajuda.
Mas por isso tudo,
para colocá-lo em prática eu preciso de Ti!
Só Tu, na Tua infinita bondade,
podes fazer-me assim como Tu, semelhante a Ti.
Eu sozinha não posso;
não posso porque nada vejo, nada sou.
Somente Tu podes mudar este meu nada.
E se queres operante este nada,
eu sou mais uma vez obrigada a dizer-Te
que eu preciso de Ti!

"Tu és, Senhor, o meu pastor..
por isso nada em minha vida faltará"

(Como gosto deste refrão que se canta na Igreja)




Eu Sou a Verdade

Aquele-que-é,
Aquele-que-era,
Aquele-que-vem
 
Pilatos lhe disse “Então tu és Rei?”
Respondeu Jesus: “Tu o dizes, eu sou rei.
Para isso nasci e para isto vim ao mundo:
para dar testemunho da verdade.
Quem é da verdade escuta a minha voz”.
(Jo 18, 37-38)
 
III. Eu Sou a Verdade

Aquele-que-é, Aquele-que-era, Aquele-que-vem


 

Quem melhor nos introduz à descoberta de Jesus Cristo como “verdade” é o evangelista e apóstolo S. João. Todo o seu evangelho foi escrito a partir deste tema da verdade. Podemos dizer que o eixo ao redor do qual se desenvolve toda a narração evangélica de S. João é justamente o tema da verdade.


1.  A verdade, no evangelho de S. João

S. João inicia o seu evangelho proclamando sua fé em Jesus Cristo, filho único do Pai, cheio de graça e de verdade. É nele que se manifesta a verdade de Deus, porque – diz S. João – ‘a lei foi dada por meio de Moisés, a graça e a verdade por meio de Jesus Cristo’. (1,17)

O diálogo com a mulher samaritana é o exemplo mais vivo e tocante de como Jesus Cristo é a verdade para cada homem e mulher. Numa provocação de amor, Jesus ajuda a samaritana a olhar à verdade de sua vida; a renunciar à mentira, à falsidade de sua existência; a não querer se justificar diante dos outros para reconhecer a verdade de sua vida. A ela revela que Deus Pai se sente amado pelas suas criaturas, na medida em que é cultuado e honrado ‘em espírito  e verdade’. O Espírito, princípio de um novo nascimento, é também princípio de um novo culto espiritual que tem como fundamento o amor à verdade, que justamente é a revelação que Deus faz por meio de Jesus.

“Se permanecerdes fiéis à minha palavra – diz Jesus – podereis conhecer cada vez mais a verdade e a verdade vos libertará” (Jo 8,32).  Jesus veio para anunciar as palavras do Pai que o enviou, palavras de verdade e de vida, que nos arrancam da mentira e do pecado.  Jesus não nos revela uma verdade, mas a verdade que está em Deus, a verdade que Deus Pai lhe revelou e só Ele pode ser fundamento de uma verdadeira relação filial com o Pai. 

Jesus, porém, continua S. João, não é simplesmente o instrumento de que o Pai se serve para revelar-nos a verdade de sua existência e a verdade de nossa vida.  Não podemos pensar em Jesus Cristo como simplesmente um escolhido para esta missão de revelar aos homens a verdade de Deus. São João nos convida a avançar mais e a reconhecer que Jesus Cristo é a Verdade, porque Ele está no Pai e o Pai está nele.

Se  Deus Pai é a verdade, Jesus Cristo é a verdade revelada do Pai para nós. Nele o Pai permanece e realiza as suas obras. Por isso, se é difícil para o homem e a mulher acreditar nesta única verdade que é Jesus Cristo, que acreditemos, por causa das obras que ele fez.  Para quem chegar a ter a fé em Jesus Cristo, amando-o de verdade, pondo em prática os seus mandamentos, o Pai enviar-lhe-á o Espírito da Verdade, o Paráclito, para que permaneça para sempre com ele (Jo 14, 15-16). 

Será o Espírito Santo, este Espírito da verdade que vem do Pai, que nos abrirá os olhos e nos dará testemunho do Cristo (Jo 15,26), “conduzindo-nos no caminho da verdade plena, pois não falará de si mesmo, mas dirá tudo que tiver ouvido e nos anunciará às coisas futuras” (Jo 16,13).  Por isso Jesus, na sua oração sacerdotal, invoca o Pai para que nos consagre na verdade, porque a sua palavra é verdade (Jo 17, 6-17) e pede o Paráclito, o Espírito Santo, para que nos conduza à plenitude da verdade.

Em poucas linhas, S. João responde àquela pergunta de Pilatos a Jesus Cristo “Que é a verdade?”, ajudando-nos a reconhecer em Jesus Cristo a Verdade, que a Trindade Santa nos quer revelar, que é a Verdade de nossa vida.

2.  A verdade na espiritualidade do MC


Para quem se consagra no MC, o amor à verdade torna-se a base e fundamento de toda sua vida.  “... Consagro-me sem reservas ao MC, querido por ti, confirmando a promessa de ser em tudo amante da verdade”.  Esta é a parte final do nosso ato de consagração. Sem amor à verdade, não há MC; sem amor à verdade não pode crescer e se desenvolver a nossa vida espiritual, porque a verdade é “a espinha dorsal” da vida espiritual. Assim como um corpo não pode ficar de pé sem a espinha dorsal, assim também toda nossa vida de fé não pode sobreviver sem um profundo amor à verdade.

Num mundo em que vivemos, onde a mentira, a inverdade, a diplomacia e a esperteza, parecem ser a base das relações entre as pessoas e os povos, proclamar o amor à verdade acima de tudo pode ser uma verdadeira provocação.  Sim, nós como cristãos e como MC, somos chamados a proclamar a verdade ao mundo e, para que este propósito não seja genérico demais, em locução Jesus nos diz:

              “Ajudai o Senhor a trazer à tona a verdade,
    toda a verdade,
    em todos os nós sociais, religiosos, morais,
    que impedem dela emergir”.

Seguir o caminho de verdade que é Jesus Cristo significa, em primeiro lugar, cuidar para que a verdade possa se afirmar na sua vida pessoal e social.  Este cuidado para com a verdade deve manifestar-se num relacionamento sincero com todos, nunca mentindo aos próprios irmãos, também aos que não participam do MC ou não freqüentam a mesma comunidade eclesial.  Se amarmos de  fato a verdade, experimentaremos a liberdade que ela nos traz em nossa vida, relembrando como é verdadeira a frase de Jesus Cristo “a verdade vós libertará”!  De que nos liberta? De que nos faz livres?  Livres para amar e usar bem do amor.  A verdade é o caminho e Jesus é o caminho.  Não podemos tornar-nos novos se nós não nos tornarmos livres.

3.      E a verdade vos libertará

No seu evangelho, S. João já anunciava para os membros de sua comunidade cristã: “Se permanecerdes na minha palavra sereis verdadeiramente meus discípulos e conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”(Jo 8,32).

Vejamos, em concreto, de que nos liberta o amor a verdade.

1. O amor a verdade nos  liberta das injustiças.

Como foi explicado a Franca pelo Senhor, o amor é como uma moeda, cujas faces são a verdade e a justiça.  Não pode existir uma sem a outra.  A justiça é a verdade posta em prática, não só afirmada.  Assim como a injustiça aponta para uma verdade que deve ser resgatada e proclamada.  Não se podem separar as duas coisas.  Não é um verdadeiro seguidor de Jesus Cristo quem amar a verdade sem se preocupar de cultivar em si a justiça.

                    “O fruto do amor e da verdade é o de conduzir a justiça à vitória.
Quem não pratica a justiça é galho seco,
não possui em si nem amor, nem verdade suficiente.
Deus falou pelo profeta ‘Este é aquele que anuncia aos povos a justiça’
Então foi anunciada, agora quer que se realize plenamente.
Quer conosco conduzir a justiça para que vença sobre o mundo”

“A injustiça pode apagar não só a luz mas também o amor. 
O amor para ser verdadeiro e firme,
deve trilhar o caminho da justiça, que é a verdade posta em prática”.

Nos dias de hoje nos deparamos com inúmeras violências, causadas à vida de milhões de seres humanos, especialmente crianças, constrangidos à miséria, à subnutrição e à fome, por causa da iníqua distribuição das riquezas entre os povos e entre as classes sociais, assim como nos deparamos com a violência inerentes às guerras e ao escandaloso comércio de armas ou com a violência provocada pela imprudente alteração do equilíbrio ecológico, com a criminosa difusão da droga ou com a promoção de uma sexualidade que acarreta graves riscos para a vida das pessoas.

Caminhando atentos aos sinais dos tempos, constatamos um vasto leque de ameaças à vida humana e do planeta, de forma aberta ou camuflada, como caraterística trágica de nossa história. O papa João Paulo II nos ajudou a refletir sobre estes problemas e a necessidade de uma ordem mais justa, na sua encíclica “Evangelium Vitae” (25.03.1995), o evangelho da vida, que nós do MC, através do amor à verdade posto em prática, somos chamados a testemunhar.

2. O amor a verdade nos liberta do fanatismo  e do preconceito

O amor a Jesus Cristo, verdade de nossa vida, liberta do fanatismo em nosso caminho de fé e, para nós do MC, nos afasta do perigo de condicionar aos carismas a nossa vida de fé. Para quem segue Jesus Cristo no MC, o amor a verdade se torna uma exigência mais forte e mais importante do que os próprios carismas. 

            “Quantos carismáticos amam mais... o mistério que a verdade.
  Pelo contrário, é preciso amar a verdade mais do que... os mistérios.
  Estes podem criar o clube dos sonhadores...
                Com a verdade se faz, não se sonha”.

Geralmente, uma acolhida sincera dos carismas leva em seguida a um discernimento verdadeiro, que, por sua vez, impede qualquer atitude dogmática (eu acredito ou não acredito neste ou naquele carisma) ou pré constituída (este carisma é verdadeiro ou é falso), assim como qualquer posição eufórica de adesão imediata (fanatismo) ou de qualquer atitude de prudência exagerada, que mais pode parecer preconceito ou medo do que amor a verdade.

3.  O amor a verdade nos liberta da covardia

Quantas vezes em nossa vida nos deparamos com atitudes medrosas, de falsa prudência, que acabam nos impedindo qualquer esforço de engajamento ou compromisso para com os outros. Esta covardia pode ser alimentada por uma falsa humildade, identificada às vezes, com atitudes passivas, de resignação, de indiferença ou de medo de assumir um compromisso verdadeiro. Mas as locuções do MC nos lembram que a humildade é verdade, verdade dita e não calada, é coragem.  Se as vezes temos a impressão que nos falta coragem, somos convidados a fazer um profundo exame de consciência, para ver até que ponto amamos a verdade em nossa vida.

                        “Quanto mais amarmos a verdade
  do fundo do coração,
                          tanto mais a coragem vai aumentar,
  porque a coragem...
                          sobe nos degraus da verdade”.


4.  O amor a verdade nos liberta da divisão

Mais ainda aprendemos de nossa espiritualidade que a verdade, amada e buscada com todas as nossas forças, nos liberta do perigo da divisão, que sempre ameaça nossa vida e tenta amargar as nossas relações fraternas.

Se existir unidade entre nós e unidade com todos, nós nos tornaremos cada vez mais livres para seguir o Senhor e trabalhar pelo seu reino. Não é falta de amor se, às vezes, podem surgir entre nós posições diferentes ou motivos de discórdia, se de fato, através do diálogo, buscamos o Senhor, a sua glória, a sua vontade e não a nossa.

Sobre isso fundamenta-se todo empenho do MC de buscar na Igreja o diálogo entre os irmãos cristãos, divididos entre si, e a caminho de uma unidade perdida, fruto de compreensão, acolhida, escuta e sobretudo redescoberta do dom de Deus que a fé cristã é para todos os que querem seguir o caminho de Jesus.

5. O amor a verdade nos liberta do medo

Enfim, ainda aprendemos da espiritualidade do MC, que é o amor à verdade que nos liberta do medo, que tanto aflige cada um de nós. É incontestável que todos nós carregamos em nossa vida uma porção de medos: o medo de nós mesmos, que não nos permite aceitar-nos como somos, com o nosso passado e a nossa história; o medo daquilo que os outros podem pensar de nós, que nos impede de ser autênticos e nos pressiona a sermos ou a nos comportarmos conforme aquilo que os outros querem e a sociedade impõe; o medo ainda de enfrentar um mundo cada vez mais complicado e terrível pelos seus graves problemas, que nos faz recuar e refugiar nas paredes de nossa casa ou fechar-nos nos nossos pequenos interesses.

Por causa destes e de outros medos, acabamos por dar espaço em nossa vida à mentira. Fingimos não ver os nossos defeitos, não aceitamos e nem reconhecemos os nossos limites e nossas fraquezas. Diante dos outros bancamos o que não somos, usamos da mentira para salvaguardar a nossa imagem e diante do mundo em que vivemos, temos sempre prontas, desculpas ou racionalizações com as quais queremos justificar os nossos medos.
“Se me amais – dizia Jesus – observareis os meus mandamentos e rogareis ao Pai e ele vós dará o Paráclito, para que permaneça sempre conosco, o Espírito da Verdade, que o mundo não pode acolher, porque não vê, nem o conhece (Jo 14, 15-17).

E a Franca foi dito:

“O primeiro inimigo do bem não é a mentira, mas o medo.
  É o medo que dá espaço à mentira...”

Poderíamos listar outros pontos significativos para responder à perguntas “de que nos liberta o amor à verdade?”.  Nas riquíssimas locuções de nossa espiritualidade sobre o amor à verdade, que a cada ano deveríamos meditar, encontramos ainda apelos fortes e urgentes para que a amemos com afinco.

    “Com sua primeira vinda sobre a terra,
Jesus nos mostra a verdade.
Ela foi dita, evangelizada ... mas não posta em prática
entre um irmão e outro. 
O Senhor espera do MC
que sempre se diga a verdade entre nós,
então por conseguinte reinará a justiça
e esta forma de viver será digna da sua segunda vinda”.

“Cai-se desta forma: o orgulho faz cometer injustiças.
A injustiça é defendida pela malícia, que é má astúcia.
A malícia é defendida pela mentira.
A mentira é defendida pelas obras iníquas ou pelo crime.
Sempre, porém, a base é o orgulho. 
Sabe o que é o orgulho? O orgulho é o veneno de satã”.

            Vivemos hoje uma crise profunda de sentido em que “a legitima pluralidade de posições cedeu lugar  a um pluralismo indefinido, fundado no pressuposto de que todas as posições são equivalentes: trata-se de um dos sintomas mas difusos, no contexto atual, de desconfiança na verdade”. Assim tudo fica reduzido à mera  opinião. Chega o momento, porém, em que sentimos “a necessidade de ancorar a existência a uma verdade reconhecida como definitiva, que forneça uma certeza livre de qualquer dúvida”. Nestes termos se expressava o Papa João Paulo II, na sua Encíclica ‘Fides et ratio’, de 14.09.1998 (n.5 e 27).

            Sem menosprezar todo esforço da razão, somente na abertura à transcendência, manifestada na total liberdade de querer fazer a experiência de Jesus na própria vida, encontramos a chance histórica de nos acercarmos à verdade. “Não nos iludamos - nos dizia Dom Raymundo Damasceno, bispo auxiliar de Brasília e secretário geral da CNBB na homilia de abertura da Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos – a verdade é Ele, Jesus Cristo, e conhecê-la significa assumir o projeto de tornar o Reino visível até os confins da terra. Numa palavra, vivendo e anunciando o Evangelho, mergulhamos na verdade que é Ele. Nele se manifestou em  plenitude a verdade de Deus. Ele é a verdade em plenitude”.

            É nesta trilha, indicada pela nossa Hierarquia, que o MC deve brilhar no amor à   verdade, fazendo com que, assimilando a força libertadora que nela existe, possa traduzi-la para o mundo de hoje num sentido novo ao qual “ancorar” a nossa existência, Jesus Cristo, Caminho, Verdade e Vida.
           
Eu Sou a Vida 
Aquele-que-é,
Aquele-que-era,
Aquele-que-vem
 
 
 
Eu sou o bom pastor:
o bom pastor dá a sua vida pelas suas ovelhas.
 
Eu sou o bom pastor:
conheço as minhas ovelhas e as minhas ovelhas me conhecem,
como  o Pai me conhece e eu conheço o Pai...
Eu dou a minha vida pelas minhas ovelhas.
 
Jo 10, 11.14-15

IV. Eu Sou a Vida
Aquele-que-é, Aquele-que-era, Aquele-que-vem





Seguindo Jesus no caminho por ele indicado e amando a verdade do fundo do nosso coração chegaremos a Jesus vida da nossa vida. “Eu vim para que todos tenham vida” é o lamento forte e apaixonado de Jesus ao mundo que testemunha o grande amor de Deus Pai para com o mundo. “Deus amou tanto o mundo – nos diz S. João – que entregou seu filho único para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha vida eterna. Pois Deus não enviou o seu filho ao mundo para julgar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por Ele” (Jo 3, 16-17).

Como não acreditar, então, que Jesus é aquele que nos concede à vida plena? “Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância (Jo 10,10), ele nos repete ainda hoje.

Mais uma vez Jesus Cristo se nos apresenta não só como um anunciador da vida que Deus quer nos dar. Não nos comunica só o projeto do Pai, de nós partilharmos de sua vida e de tornar-nos de fato seus filhos, porque participantes da mesma vida de Deus.  Jesus se revela para nós como Aquele que é vida da nossa vida.

            Quantos símbolos Jesus usa para convencer-nos desta verdade... e quantas parábolas conta para que ninguém desconfie do amor do Pai, que quer vida em abundância para todos os seus filhos e filhas.          Mais forte ainda se torna para nós o fato de Jesus ter dado a sua vida para que com sua morte a vida triunfasse. “Não há maior amor de quem da a vida pelos seus irmãos” e “quem perder sua vida por causa de Mim, encontrá-la-á”.

Se Jesus é a nossa vida, tudo aquilo que diminui, ofende, maltrata a nossa vida, ofende e maltrata o coração de Jesus, no qual se revela o coração do nosso Deus.

Encontramos o verdadeiro sentido para nós, quando estamos dispostos, com todos as nossas forças, a seguir Jesus. Porém, nesse seguimento, nos deparamos com inúmeras situações que ameaçam, sufocam, prejudicam e matam a vida. Seguir Jesus, com verdade e vida, exige portanto de todos nós uma defesa intransigente da vida, pois Ele nos disse que veio para dar-nos vida e vida em abundância.


1.  O compromisso do MC com a vida

O interesse do MC para com os carismas extraordinários pode gerar, às vezes, um conflito interior, em quem se sente atraído pela forte espiritualidade do MC e, ao mesmo tempo, se sente interpelado pelos grandes problemas do mundo de hoje, no tocante a vida humana e do universo todo.

Para quem é sensível aos dons especiais do Senhor, Jesus é visto como um dom extraordinário do Pai que nos leva à vida plena, quase passando por cima desta vida atual que estamos vivendo. Diante da tragédia de nossa geração que não quer reconhecer o caminho de Deus, o seguimento de Cristo é visto como um segurar-se nas mãos de Deus, confiando nele toda nossa história e procurando viver, no babel dos dias atuais, uma  vida de comunhão mais profunda com o Senhor.

Tudo isso por meio de uma volta sincera à Palavra de Deus, de uma vivência cristã mais assídua aos sacramentos da Eucaristia e da Reconciliação (Confissão), de uma consagração sincera a Nossa Senhora com a reza do terço e com dias de jejum e mortificação pelos pecados do mundo. Para estas pessoas o MC vem reforçando esta atitude, valorizando várias locuções de confidentes, apelos e mensagens de aparições e dons espirituais que possam ajudar à conversão do coração.

Para quem é sensível ao compromisso real com a vida, pode encontrar em Jesus Cristo o irmão solidário com os homens e as mulheres sofredoras de hoje, que aponta para nós o caminho da vida plena para todos. É a visão do Cristo libertador, anunciado por Isaias, que veio entre nós para ajudar a todos a encontrar a vida:

          “O Espírito do Senhor está sobre mim,
porque ele me urgiu para evangelizar os pobres:
enviou-me para proclamar a liberdade aos presos
e aos cegos a recuperação da vista,
para celebrar a liberdade aos oprimidos e
para proclamar um ano de graça do Senhor (Is.61,1-2)”.

Para estas pessoas fica bastante difícil no começo a se entender o MC, pois pode dar a impressão que os do MC não estejam envolvidos ou preocupados com as situações trágicas do mundo em que vivemos. Contudo, o MC pode atrair por certos carismas que são vistos complementares em pessoas já dedicadas a obras de caridade, pela força espiritual que são capazes de oferecer.


2.  Uma tensão permanente

Diante dos desafios que a vida de hoje nos apresenta, com certeza este conflito deve ser visto como uma tensão permanente entre o projeto da vida plena para a qual Deus nos criou e a vida atual que se nos apresenta profundamente conturbada por infinitos problemas sociais, culturais, econômicos, políticos e religiosos. Esta tensão constante deve ser aceita antes como uma benção do que um motivo de angústia e vivida na busca de uma integração destes aspectos, que devem concretizar a vida de todo cristão.

Aqui chegamos talvez ao ponto mais delicado da vida do MC e a partir do qual se joga o futuro do mesmo movimento. Inserido na vida da Igreja, o MC também é chamado a discernir os sinais dos tempos para que se possa superar toda e qualquer contraposição que nestes anos todos nos acostumamos a perceber na nossa igreja.

Em nível de paróquia ou de diocese, de grupos ou de movimentos, de religiosos ou leigos consagrados, assistimos a dilacerações graves, em nome de Jesus Cristo conhecido e seguido de forma reduzida e parcial.

É o Jesus Cristo identificando com os pobres contra o Jesus Cristo amado e glorificado na sua divindade.  É a Igreja Católica sonhada como voz dos que não têm voz contra a Igreja Católica pensada ainda como sociedade perfeita dos batizados.  É a Hierarquia católica chamada de progressista contra a outra parte vista como conservadora.  Tudo isso em nome de  Jesus Cristo  que veio para dar a vida por nós. Neste contexto, o MC oferece, então, um serviço à vida peculiar, não se identificando com nenhum destes pólos de tensão, mas oferecendo logo aquilo que recebeu do Senhor Jesus.


3. O equilíbrio dos santos

Em primeiro lugar, o MC nos ensina a viver este conflito, buscando o equilíbrio, diante dos carismas e dos problemas da vida.  Em cada momento em que nos encontramos como grupo ou como movimento, na nossa oração pessoal, sempre pedimos (ou deveríamos pedir) o equilíbrio dos santos, para que ‘cada palavra dita ou calada, cada passo feito ou recusado, tudo seja na perfeita vontade de Deus’.

Numa atitude de equilíbrio, torna-se assim mais fácil vivenciar o outro elemento que o MC nos oferece no seguimento de Jesus Cristo vida: o discernimento. Para a Hierarquia da Igreja, o MC e visto e considerado sobretudo como uma instância de discernimento muito importante. Quantas vezes nos perguntam como saber se tantos fatos extraordinários, tantas publicações de fatos carismáticos, tantas mensagens que circulam no mundo católico e fora dele acerca de carismas são de fato verdadeiros e tem algo a dizer para nossa vida. 


4. Ser ‘árvore de vida’

O MC, na sua pequenez e humildade, oferece então uma série de pontos, indicados por locução ou fruto de sua reflexão e estudo, que podem ajudar à Igreja a discernir, em vista do caminho que leva para a vida, tornando-nos assim pessoas que amam a vida e que a defendem com todas as suas forças. Melhor ainda podemos nos tornar  “árvores da vida”, como foi dito a Franca em locução.

              “Se sereis enraizados na minha palavra...
               sem vos aperceber, vos tornareis raízes.
               Tornar-vos-eis árvores da vida,
                correspondentes às árvores do Éden,
                isto é, carregando frutos de delícia”. (04.12.92)

Cada vez mais o MC sente-se incumbido por esta missão de discernir diante da explosão de carismas que está acontecendo hoje, quais deles são verdadeiros ou falsos.  Este trabalho de discernimento é muito exigente pelo tempo e pelo estudo que pede e pelos contatos que são necessários. Mas é fundamental para que os novos carismas que o Senhor oferece à sua Igreja, possam dar frutos de vida. Vários dos nossos grupos do MC, que vem acompanhando alguns confidentes, e o mesmo Centro de Estudos do MC, sabem o que isso significa.


5.  Onde estão as vossas obras?

Quem como nós, no Brasil, vive uma realidade social mais contundente e trágica, que em muitos aspectos atenta à vida, em lugar de defendê-la, sente-se questionado diante de uma cultura de morte, totalmente oposta e distante daquilo que Jesus Cristo nos revela.  Nós mesmos somos os primeiros a pôr em questão todo o nosso trabalho de MC, fazendo nossas as palavras daquela locução a Franca que iniciava dizendo:

              “Escuta-me filha: muitos vós dirão...
               mas onde estão as vossas obras?
               Para que serve o vosso MC...
               Com tantos drogados, os doentes e os pobres?...”

Confesso que muitas vezes estas perguntas ressoaram em meu coração e no de tantos irmãos do MC. Assim como estas perguntas nos foram dirigidas também por parte da Hierarquia da Igreja e de outros cristãos, desejosos de encontrar em nós uma colaboração concreta, em alguma das pastorais de paróquia ou de diocese, pois grande é o esforço por parte delas para realizar as palavras de Jesus “para que todos tenham vida e vida plena”.

Conhecemos o resto da locução, na qual foi dada a Franca a seguinte resposta:

              “... como são estultos! Eu também disse:
              Mas quando virei, encontrarei ainda fé sobre a terra?
              O MC existe justamente para preparar o povo
   para uma fé granítica, que perdure até a minha vinda.
  Se não existir uma fé profunda enraizada, convicta,
  Nem as obras têm muito êxito, porque elas acontecem pela fé.
  Sem mim nada podeis fazer”. (26.02.92)

Não gostaria que esta locução fosse interpretada ou servisse para concluir que então a missão do MC não é a de preocupar-se com obras sociais e iniciativas de promoção da vida, mas que sua única preocupação deve ser a fé, isto é, promover atividades de catequese, encontros de espiritualidade, jornadas de estudo que possam ajudar a redescobrir sua fé em Jesus.  Se assim fosse, correríamos o perigo de voltar ainda ao ponto de partida da tensão antes citada, diante da qual acabamos optando por um dos pólos da tensão (a fé), contrapondo-o ao outro (as obras), afastando-nos definitivamente do caminho da vida.


6.  Integrar a fé com a vida

Se o MC deve preparar o povo a uma fé granítica, deve ajudá-lo a superar justamente este conflito. Uma fé separada das obras não pode perdurar até a vinda do Senhor, assim como um compromisso social pela vida não pode ter êxito, se faltar a fé no Senhor da vida, que é Jesus Cristo, e a confiança nele que conduz nossa história.

Como podemos conseguir isto se o âmbito de interesse do MC se limita aos carismas extraordinários, conforme o seu carisma de fundação? Não seria melhor sermos realistas e afirmar que a nossa missão é interessar-nos pelos carismáticos e a outros o Senhor confiará a missão de exercer obras de solidariedade e de fraternidade que ajudem a promover à vida? Não, não e não. Seria de novo voltar ao ponto de partida, ao conflito inicial que tanto pode angustiar a quem, nesta tensão, não busca o equilíbrio.

A integração entre fé e vida, entre a dimensão espiritual e a dimensão da caridade, entre obras e fé, deve ser procurada por cada cristão, dentro de sua missão específica.  No nosso caso devemos ajudar os confidentes para que saibam fazer uma leitura completa do seu fato carismático, evitando de apresentá-lo em forma dicotômica, na contraposição de fé e obras, de forma reduzida, optando unicamente por uma fé que convida a mudanças religiosas, mas que não chega a transformar a vida.

Em seguida, devemos colaborar no discernimento dos carismas, para que, dentro do dom recebido, possa ser conhecida e identificada a sua finalidade, que sempre toca em aspectos concretos de nossa vida a serem transformados. Deus envia novos carismas a seu povo justamente para que se alcance aquela vida plena, que Jesus Cristo veio nos trazer e da qual Ele é o caminho. Não há carismas que não atingiam o concreto de nossa existência.

Às vezes, nós também podemos dar a impressão de que o nosso interesse em acolher e aprofundar os carismas é devido antes ao extraordinário que acompanha estes fatos, mais do que às propostas de vida que estes mesmos acontecimentos nos apresentam. Para nós do MC o interesse e o estudo dos carismas deve sempre e unicamente conduzir-nos a buscar o sentido de tais fatos, que, se forem autênticos, devem obrigatoriamente ajudar no crescimento humano e espiritual da vida pessoal, comunitária e social.  Neste sentido, se torna mais claro porque o amor à verdade deve prevalecer sobre o interesse pelos fenômenos extraordinários, se queremos de fato contribuir para que a vida vença. Com a verdade se atua e se constrói, nos lembrava Franca, enquanto que com o interesse pelo extraordinário em si, se sonha e nada se constrói.


7.  Três  exemplos de integração

O MC deve prestar muita atenção a este ponto, não esvaziando conteúdos carismáticos com esquemas mentais pré constituídos, que gostam de reduzir os fatos extraordinários a uma leitura parcial e imediata, sem captar o conteúdo vital neles presente. Ao mesmo tempo, deve ajudar o confidente ou carismático a tomar consciência de que, por primeiro, deve manifestar em sua vida o sentido que está presente no dom extraordinário recebido.

Permitam-me lhes apresentar alguns exemplos:

1.      Santa Catarina de Sena

Mulher, leiga, iletrada, que recebe do Senhor grandes dons místicos, que ela partilha e dita a uma pessoa amiga. Nos escritos, que a tornaram doutora da Igreja, é apresentado todo um caminho de fé muito fascinante e extraordinário. Alguém poderia então estudar estes dons místicos, concluindo que Catarina foi privilegiada com visões, locuções interiores e experiências profundas de fé, como se o seu carisma se resumisse nisso.

Pelo contrário, esta primeira descrição apresenta-nos a fonte de onde Catarina recebia forças, coragem, intuições para enfrentar o que ela fez na vida. Esta pobre e simples mulher, encontrava coragem para se colocar ao lado de um jovem, condenado a ser decapitado e que desesperado não queria morrer.  Ela não pode revogar uma pena de morte por motivo de traição, decretada pelo Governador, mas mesmo assim encontra força para subir ao patíbulo com o condenado e com sua presença viva e suas palavras, prepará-lo ao encontro com o Senhor da vida. A cabeça do jovem foi cair justamente no peito de Santa Catarina, que guardará a veste manchada pelo sangue dele, como um sinal da vida que Jesus veio nos dar com o derramamento do seu sangue.

Em virtude dos seus dons místicos, Catarina se tornou uma grande política: teve a ousadia de enfrentar as famílias divididas da cidade de Florença que se faziam guerra entre si, ajudando-as a superar os ódios recíprocos, reconduzindo a cidade a um clima de paz.  E ainda mais teimosa se demonstrou quando foi até Avinhão, na França, pedir ao Papa que voltasse a residir em Roma, pois lá devia ser a sede do sucessor de Pedro, apesar das ameaças e da expulsão que este tinha sofrido, O Papa se deixa convencer pelas palavras desta pobre mulher e atende ao seu pedido voltando para Roma.

Estes fatos fazem parte dos dons extraordinários de Santa Catarina, cujo carisma não pode ser reduzido só ao fato de ter tido visões, locuções interiores, ditados de vida espiritual. Mas toda esta riqueza espiritual, acompanhadas por uma intensa vida de oração e de intimidade com o Senhor, lhe davam lucidez, forças, ousadia para promover a reconciliação e a paz, num serviço aos irmãos que hoje chamaríamos, em termos atuais, um trabalho altamente político.

2.      Madre Eugênia Ravasio

Outra pessoa carismática é Madre Eugênia Ravasio, que se torna importante  não somente porque com sua experiência extraordinária de fé nos ajudou a redescobrir o amor misericordioso de Deus Pai, mas porque sua vida foi o testemunho mais comovedor de um Deus, que é Pai de todos os seus filhos, de maneira especial, dos mais esquecidos e marginalizados. Eles também  devem acreditar no amor deste Pai e sentir-se amados por Ele e chamados a seguir Jesus Cristo para alcançar uma vida digna e em abundância.

Assim depois de oito anos trabalhando em fábrica, decide ser irmã missionária. No convento encontra dificuldades, mas aos poucos aprende os valores profundos desta sua consagração. É consciente de que será santa não porque mora num convento, mas porque, unida a Deus, saberá respeitar as regras e exercer a caridade para com as outras irmãs, ajudando-as em suas necessidades.

Imprevistamente é nomeada mestra das noviças e em seguida eleita Madre Geral por doze anos. Na sua aparente fragilidade humana, fortalecida pelas suas experiências místicas, Madre Eugênia luta pelas suas irmãs, por uma posição digna no trabalho contra a maneira discriminatória  de tratar a mulher, própria daquela época. Da mesma forma, entra com enorme coragem na luta em favor dos leprosos da Costa de Marfim, jogados numa ilha daquele país e abandonados à solidão e ao desespero.

Ela vai até a ilha dos condenados, os consola e lhes promete que enviará lá as suas irmãs e abraça aquelas pessoas sem medo de se contagiar, para que elas acreditem no seu amor e nas suas palavras.

Aqui se manifesta a grandeza e a realidade do carisma de Madre Eugênia. Ela não foi privilegiada só por ter dons místicos, mas porque sobre traduzir estes dons em obras. Por causa destas obras se torna mais forte e compreensivo o testemunho do amor misericordioso do Pai que ela anunciava e pregava, ousando ser solidária com quem já estava condenado pela sociedade e manifestando assim o amor misericordioso de Deus que é Pai mesmo de todos.


3.      Franca, fundadora do MC

O mesmo diga-se  de Franca, fundadora do MC de Assis, cujo carisma não pode ser reconduzido simplesmente ao fato de ter dado início ao MC ou de ter oferecido um abundante material de locuções, que fundamentam a obra do MC e a sua espiritualidade. Como todo fundador, ela tinha que viver sua vocação, no caso de esposa e  mãe, e sua missão de se deixar conduzir pelo Senhor numa obra que superava sua compreensão e que  ela mesma não tinha condições  de conduzir e administrar. Aliás uma obra que cabia a ela anunciar, mas que deveria ser a Hierarquia da Igreja a realizar e conduzir.

Como profeta, ela vive o sofrimento próprio dos profetas que são instruídos pelo Senhor, sabem o que Deus quer e o anunciam ao povo, à Igreja, para que quem tiver poder e autoridade possa realizar tal obra, promover esta iniciativa, permitir a intervenção do Pai na história de seus filhos e filhas. Por isso, lutará até o fim para manter vivo este Movimento, tornar-se-á presente no meio da Hierarquia de forma corajosa e às vezes até  insistente, sem desanimar diante da frieza ou indiferença de muitos e sem perder a coragem diante das peripécias a que será submetida e diante das dificuldades que os seus próprios filhos do MC irão apresentar-lhe.

Mas o projeto de algo novo, por parte do Senhor, não a afasta do seu compromisso com a vida de todos os dias, como mãe, esposa e como cristã. Vai ser difícil para ela administrar este carisma no seu cotidiano e não permitir que este a afaste dos seus compromissos de família e  dos seus deveres de cristã.  Assim vai viver este dom recebido de Deus, com muita humildade, na consciência de ser um simples instrumento nas mãos de Deus, o seu “nada operante “ e com muita fé, muita fé mesmo, naquele Senhor da vida, que não vai permitir que se engane e engane os outros; que não vai deixar que outros mais cultos e mais sábios se intrometam de forma indevida na obra que é dele.

Ao mesmo tempo, consciente de que se tivesse todos os carismas deste mundo, mas não tivesse a caridade e o amor nada seria, não se esconde atrás dos dons extraordinários recebidos para eximir-se de uma fraternidade e solidariedade para com o próximo de cada dia. Nela toda esta experiência carismática se repercute num crescendo de abertura à vida, assumindo sobre si a vida dos outros.

Procura ajudar um pobre viúvo, pais de dois filhos, que não sabia mais o que fazer depois da morte da esposa, acolhendo em casa, em certos momentos, os dois filhos dele.

 Uma sua amiga teve um filho, concomitantemente com o filho Fernando que Franca teve, mas a amiga não tinha leite para amamentá-lo: partilhará com ela o leite, amamentando o próprio filho e o da amiga.

Mas pode ser também a falta de fé de um jovem, que jogava sinuca, num bar de São. Damião Piacentino, a chamar a atenção dele e a provocá-lo, dizendo que ela sabia o por que ele tinha errado uma jogada que o fez ficar tão brabo.

Ou podia ser o jovem que caiu da moto e que ela correu para socorrê-lo e que com seu lenço tentou limpar de suas feridas, mas que de forma arrogante não quis ser atendido.

 Assim como o preso de uma penitenciária, para o qual ela escrevia constantemente animando-o e dando-lhe esperança de se renovar e que o preso agradecido a chamava de mãe, pois na vida ele não tinha tido um afeto de mãe.

Quantos de nós foram testemunhas de tantas horas gastas ao telefone para consolar, animar, repreender e apaziguar pessoas conhecidas ou amigas, do MC ou não, sempre no intuito de dar esperança e animar a vida de tantos irmãos e irmãs.

Também no Brasil, chegou o seu testemunho de fraternidade e de cordialidade entre as pessoas que a conheceram e não deixou de impressionar pelo seu amor, que a levava a abraçar e tomar no colo as crianças sujas das favelas de Salvador ou a estender a mão e a abraçar os leprosos da Colônia Getúlio Vargas de João Pessoa, que visitou e onde recebeu locuções lindas, em que o Senhor lhe fazia entender que justamente lá onde a vida corporal parece se extinguir e apodrecer, Ele sabia preparar e formar corações apaixonados por Deus como o de Seu Zé, evangélico, há quarenta anos leproso, já em fim de vida, mas que conseguia comunicar a Franca a beleza da vida que nos espera junto de Deus. Deixaram-se com um até logo e um aperto de mão bem amigo e fraterno.

Enfim, a lembrança viva em todos nós do seu último dia de vida aqui conosco, quando Franca, embora gripada, vai solucionar o caso de uma sua amiga, internada numa clínica psiquiátrica pelos parentes, ávidos da herança dela. Apesar do frio daquele dia e de sua gripe, vai até a clínica e consegue que o médico dê alta imediatamente à sua amiga.

Mas foi também pelo grande amor ao Deus da vida que Franca  aceitou o calvário e os sofrimentos que a obra do MC lhe proporcionou. Como fundadora, confiante no amor do Senhor e sustentada pelas locuções e dons que recebia, soube enfrentar  com coragem as tremendas crises pelas quais o MC teve que passar.

Traída pelas pessoas em que mais confiava, desprezada pelas suas limitações por sacerdotes arrogantes, olhada com compaixão por não saber lidar com mais firmeza o Movimento e criticada muitas vezes pelas escolhas erradas de pessoas que admitia ao MC ou aos cargos mais importantes do Movimento, Franca continua esta obra se colocando de verdade nas mãos de Deus, sempre mais consciente de ser o “nada operante” do Senhor, permitindo assim que este MC querido por Deus, possa continuar... até hoje.

“Franca... estamos quase prontos para a minha vinda sobre a terra.     
 O MC será sobre a terra o meu Parlamento, não porém para debater leis,
 mas para transmitir novidades de vida que não conheceis”. (10.07.90)
 



Conclusão

As novidades de vida que nos esperam só podem ser recebidas e entendidas por quem do MC ou não, acredita no Senhor da vida que conduz nossa história e assume o compromisso de lutar pela vida em todos os seus aspectos, mostrando-se solidário e fraterno sobretudo lá onde a vida está mais ameaçada e ferida.

Dar a vida pelo triunfo da vida é ser digno do seguimento de Jesus Cristo,  é ser digna de participar junto com Deus da mesma vida plena, que o Senhor nos revelou em Jesus Cristo; é realizar em  plenitude a nossa vocação ao amor.

Que a atenção aos carismas e carismáticos não nos afaste de um compromisso solidário com quem sofre, nem se torne desculpa para nos omitir-nos. Pelo contrário, no nosso trabalho no MC e com os confidentes, ajudemo-nos para que não se separe a vida dos carismas, colaboremos para que o confidente saiba entender e descobrir que o seu carisma abrange toda a sua vida e não só o momento          de locução, visão ou aparição e que será cada vez mais autêntico e acolhido pela igreja, na medida em que haverá esta integração entre a manifestação de Deus e o amor extraordinário aos irmãos, a começar pelos mais pobres e abandonados.

Desta forma, o MC poderá colaborar muito mais no discernimento dos carismas junto à Hierarquia e ajudará os confidentes a entender que o seu dom especial, recebido gratuitamente pelo Senhor, se manifesta na mensagem ou locução recebida, integrada no serviço atento e despretensioso aos irmãos. Que o MC possa continuar esta sua missão, seguindo sempre Jesus Cristo caminho, verdade e vida, aquele que é, que era e que vem.



O Senhor reina !
Alegremo-nos, pois Ele vem



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