sexta-feira, 24 de junho de 2011

DO CONGRESSO " O ESPÍRITO SANTO E OS SEUS CARISMAS" - MOMENTO DE REFLEXÃO



O Espírito Santo e sua ação na história humana: critérios de discernimento
(Padre João Pedro Cornado, SJ)

1.       INTRODUÇÃO

Estamos vivendo num mundo e num momento da nossa história de povo de Deus todo especial, onde a presença do Espírito Santo se faz mais forte e viva. Parece estarmos vivendo o que o profeta Joel disse “Derramarei o meu espírito sobre todos os viventes. Os filhos e filhas de vocês se tornarão profetas; entre vocês, os velhos terão sonhos e os jovens terão visões” (Joel 3,1).
A nossa Igreja também, ao longo destes últimos anos, animada pela força do Espírito Santo, sente-se renovada, a partir, sobretudo do Concílio Vaticano II, por esta chuva de dons que o Espírito Santo está derramando sobre ela. Cabe lembrar aqui a belíssima comparação de S. Cirilo de Jerusalém, uma verdadeira catequese para os nossos dias:

“A água que Eu lhe der tornar-se - á nela uma fonte de água viva, que jorra para a vida eterna. Novo gênero de água esta que vive e jorra; mas jorra apenas sobre os que são dignos dela. Mas porque o Senhor dá o nome de água à graça do Espírito?
Certamente porque tudo tem necessidade de água: ela sustenta as ervas e os animais. A água da chuva cai dos céus e, embora caia somente do mesmo modo e na mesma forma, produz efeitos muitos variados. Não é, de fato, o mesmo, o efeito que produz na palmeira e na videira e assim em todas as coisas, embora a sua natureza seja sempre a mesma e não possa ser diversa de si própria. Na verdade, a chuva não se modifica a si mesma em qualquer de suas manifestações, mas ao cair sobre a terra, acomoda-se às estruturas dos seres que a recebem, dando a cada um deles o que necessita.
De maneira semelhante, o Espírito Santo, sendo único, com uma única maneira de ser e indivisível, distribui por cada um a graça como lhe apraz. E assim como a árvore ressequida, ao receber a água, produz novos rebentos, assim também a alma pecadora, produz frutos de justiça. O Espírito tem um só e o mesmo modo de ser, mas, por vontade de Deus e pelos méritos de Cristo, produz efeitos diversos.
Serve-se da língua de uns para comunicar o dom da sabedoria; ilumina a inteligência de outros com o dom da profecia. A este dá-lhe o poder de expulsar os demônios, àquele concede-lhe o dom de interpretar as divinas Escrituras. A uns fortalece-os na temperança, a outros ensina-lhes a misericórdia; a estes inspira a prática do jejum e os exercícios da vida ascética e àqueles a sabedoria nas coisas temporais; a outros prepara-os para o martírio. Enfim, manifesta-se de modo diferente em cada um, mas permanece sempre igual a Si mesmo, como está escrito: A cada um é dada a manifestação do Espírito para o bem comum.
Branda e suave é a sua aproximação, benigna e agradável é a sua presença; levíssimo é o seu jugo. A sua vinda é precedida pelas irradiações resplandecentes da sua luz e da sua ciência. Ele vem como protetor fraterno: vem para salvar, curar, ensinar, aconselhar, fortalecer, consolar, iluminar a alma de quem O recebe, e depois, por meio desse, a alma dos outros.
E assim, como aquele que se encontrava nas trevas, ao nascer do sol recebe nos olhos a sua luz e começa a contemplar com clareza o que antes não via, também, o que se tornou, digno do dom do Espírito Santo, recebe na alma a sua luz e, elevado acima da inteligência humana, começa a ver o que antes ignorava”. (DA CATEQUESE DE S. CIRILO DE JERUSALÉM, bispo, séx.IV)

2.       É COMO A CHUVA QUE CAI

Esta chuva de dons extraordinários e de carismas, que, ontem como hoje, vem renovar a Igreja, exige de todos nós uma postura equilibrada que deveria manifestar-se desta forma:

2.1. Atitude de profunda gratidão diante dos carismas

Numa atitude de agradecimento, pois são dons de Deus para o bem do seu povo. Não se deve esquecer que todo carisma é fruto unicamente da gratuidade do Senhor e não é proporcional ao grau de santidade ou de amor para com Deus. Nunca os carismas podem ser considerados por alguém como passaporte para o céu ou atestado de santidade. Unicamente, eles se apresentam como um dom gratuito, que, pelo misterioso amor do Senhor, é oferecido a uma pessoa para confirma-la na fé, na sua vocação cristã e para ajudar a Igreja na sua caminhada de povo de Deus.
Devemos então resistir a toda tentação de sentir-nos donos dos carismas que o Espírito Santo pode distribuir entre nós, os seus fiéis, e favorecer uma atitude de profunda gratidão para com o Senhor nosso Deus, Trindade Santa, para que estes carismas sejam entendidos dentro do projeto do Pai, acolhido como sinal de amor profundo de Cristo para com a sua Igreja e assimilados como força viva do Espírito Santo para a renovação do Povo de Deus.
Nunca agradeceremos bastante o Senhor pelos dons recebidos em nossa vida pessoal e em nossa história de Igreja a caminho da Nova Jerusalém.

2.2. Atitude de oferecimento dos dons recebidos

Os dons de Deus devem despertar em nós uma atitude de entrega, de saber oferece-los para que estejam a serviço da comunidade eclesial e, portanto, devem ser apresentados à Hierarquia da Igreja e avaliados por ela, o qual, caso reconheça sua validade, deverá também estabelecer o seu uso ou aplicação na vida da comunidade eclesial, em vista ao bem comum da Igreja toda.
Saber oferecer os seus dons, assim como a Virgem Maria soube oferecer ao Pai o seu maior dom de sua vida, seu Filho Jesus Cristo. Aos olhos humanos que contemplavam aquele mistério de amor, que estava acontecendo em Nossa Senhora, podia aparecer inútil subir ao templo e apresentar ao Senhor o seu primogênito. O que foi direta do Espírito Santo, seu Filho Jesus, não devia obrigatoriamente submeter-se à Hierarquia do Templo e ser resgatado conforme o sentido e o costume da tradição judaica. Mas, o Senhor é um Deus que respeita as suas criaturas, os ama profundamente, age no máximo respeito das ordens das coisas e, portanto, não passa por cima do que ele tinha estabelecido para o povo de Israel, nem no caso de seu Filho.

2.3. Atitude de discernimento dos carismas

Seguindo este exemplo, todo cristão que recebe um dom especial de Deus não pode simplesmente dispor dele como achar melhor, mas saberá oferece-lo à atual Hierarquia do povo de Deus, para que primeiro reconheça nele a presença do amor do Pai e depois possa definir seu uso para o bem da Igreja.
Por isso, é necessário adquirir uma atitude de discernimento, de saber distinguir o que pode vir de Deus e o que pode vir da mesma pessoa. Torna-se importante conhecer o processo de discernimento que ajude a descobrir o que pode, de fato, ser útil para a Igreja, para que os dons de Deus sejam eficientes no meio de nós. Se é a Hierarquia da Igreja que deve manifestar-se diante dos dons comuns e carismas especiais, que aparecem entre os fiéis, cabe, porém, a todos os envolvidos assumirem com seriedade o processo de discernimento que necessariamente se impõe à comunidade eclesial.
Embora o discernimento seja um momento espiritual já conhecido na Igreja, pelos Santos Padres e pela tradição eclesial, de fato na nossa experiência religiosa parece que ele está sendo cada vez mais redescoberto na vida eclesial. Sem dúvida, para muitos o discernimento comunitário dos dons e carismas é algo novo que ainda está acontecendo e do qual todos nós nos sentimos marinheiros de primeira viagem.

3.0. O DISCERNIMENTO DOS CARISMAS

Tentaremos, então, traçar agora de que forma a Igreja deveria acolher, discernir e apresentar os carismas à comunidade eclesial, a fim de que todos nós, que somos parte deste povo de Deus, possamos ter uma postura correta diante desta chuva de dons, que o nosso Deus parece distribuir hoje não somente a nós católicos, mas às suas igrejas cristãs.
Esta última constatação torna o Movimento Carismático de Assis (MC) obrigatoriamente aberto ao diálogo ecumênico, sendo que esta chuva de dons não se restringe ao âmbito católico, mas está presente em outras igrejas cristãs. Será pelo diálogo e pela convergência dos carismas, presentes nestas outras igrejas cristãs, que poderemos contribuir muito eficazmente, também, para a unidade dos cristãos.
O nosso Centro de Estudos se sente profundamente empenhado em refletir e estudar esta convergência de dons e carismas, enquanto acompanha e acolhe tudo que o Espírito Santo está distribuindo aos seus filhos e filhas, para apresenta-lo à Hierarquia da Igreja.

3.1. O que vem a ser o discernimento?

São Paulo cita o discernimento como um dos dons, que o Espírito Santo suscita na comunidade de Corinto. É um dos vários dons que estão presentes e do qual mais precisam, neste momento, para superar as dificuldades e as discussões que estão surgindo no seio da comunidade eclesial:

“A um, o Espírito dá a palavra de sabedoria; a outro, a palavra de ciência segundo o mesmo Espírito; a outro, o mesmo Espírito dá a fé; a outro ainda, o único e mesmo Espírito concede o dom das curas; a outro o poder de fazer milagres; a outros a profecia; a outro, o discernimento dos espíritos, a outro o poder de falar em línguas; a outro ainda o dom de interpretá-las” (1 Cor 12,8-10)

Se é um dom especial de alguém, que pode servir para ajudar os outros que encontram maiores dificuldades, torna-se, porém, uma obrigação de todos os cristãos, que querem assumir sua vida de fé e inserir-se plenamente no projeto de amor de Deus Pai. De fato, pelo batismo recebemos o Espírito Santo para que nos conduza à plenitude da verdade e nos abra aos tesouros do amor gratuito de Deus. Por isso, São Paulo escreve aos Corintos, confirmando-os na possibilidade de discernir os dons de Deus, sendo que Este lhes enviou o seu Espírito:

“Quem, pois, dentre os homens conhece a fundo a vida íntima do homem, senão o espírito do homem que está dentro dele? Da mesma forma, o que está em Deus, ninguém o conhece, senão o Espírito de Deus. Quanto a nós, não recebemos o espírito do mundo, mas o Espírito que vem de Deus, para conhecermos os dons da graça de Deus” ( 1 Cor 2,11-12)