É fato
incontestável que as “aparições” e as
“mensagens” atribuídas a Nossa Senhora tem se multiplicado de forma
impressionante, nos últimos anos. No entanto, faz-se necessário levantar alguns
questionamentos: Como as coisas estão chegando nas comunidades? Quais são as
interpretações dadas? Que "clima"
está se criando entre o povo? Será que não está existindo manipulação? O
resultado final de tudo isso está sendo a verdade que torna as pessoas
realmente livres (Jo 8,32)?
(1) Constatações:
inúmeras situações de confusão quer no campo da doutrina quer no campo da
práxis. Contribui fortemente para uma visão unilateral da fé cristã. Cria
reducionismos, atitudes rigoristas e alienadas.
(2) Necessidade do
olhar teológico: os teólogos são acusados de racionalistas. A coerência da
fé exige clareza. O cristianismo não é
apenas uma questão de sentimentalismo, de emoções, de busca do
"maravilhoso". Ele é também reflexão crítica e realista dos fatos, a
fim de que se chegue a provar tudo e ficar com o que é bom (1Tes 5,21). A
Igreja sempre rechaçou como herética a posição fideísta que nega a possibilidade real do conhecimento
de Deus e do seu mistério a partir da razão humana.
(3) A idéia de
Revelação: a impressão que se tem é que
tais "mensagens" aparecem até
mesmo paralelas à única, definitiva (Jo 1,1-18; Hb 1,1-4). Depois do NT não há
mais nada de novo a ser revelado. Aparições e revelações não podem estar em
contradição com a Revelação normativa. Dependendo do caso, as aparições, podem
ser uma autêntica experiência mística. Mas pode acontecer também que pretensas aparições não passem de
alucinações de pessoas pressionadas por um passado cheio de peripécias, de
problemas, remorsos...
(4) As aparições
não são objeto de fé. As "mensagens" divulgadas não têm nenhum valor
normativo para ninguém mesmo depois de terem sido aprovadas pela Igreja. Na
maioria absoluta das pessoas que
acreditam em "aparições" de Nossa Senhora existe a convicção de que
elas são objeto de fé. Tal convicção é tão forte que leva tais pessoas a pensar que duvidar
das mesmas seria um pecado mortal, um
ato de apostasia, de rejeição da verdadeira fé.
(5) O
reconhecimento da Igreja: na verdade não se trata de aprovação, mas de uma
permissão: "a aprovação da Igreja não é uma afirmação infalível. É uma
aprovação permissiva, um "nihil obstat". Atesta que não estão de
acordo com a fé, os costumes e com a missão da Igreja".
(6) Inflação
de "aparições” e de "mensagens". Não há como não permanecer
perplexo diante desta constatação. Nos Evangelhos, Maria é a mulher do silencio
(# subserviência e omissão). Sua principal
característica é a escuta e a
contemplação. Diante das maravilhas operadas por Deus, não se exibe nem faz
alardes. Procura agir sempre de maneira profética. Ao abrir a boca, Maria o faz
sempre para tomar a defesa dos fracos e indefesos. Nunca para ameaçar nem
coagir ninguém.
(7) Dualismo
(= admissão da coexistência de dois princípios eternos, necessários e opostos)
com cheiro de maniqueísmo (= insistência em pretender separar o
espiritual do material, a Igreja do mundo, alma do corpo). Existe uma
verdadeira obsessão com relação demônio. Faz-se alusão ao inferno em termos
exasperados e drásticos. O maniqueísmo se manifesta no horror pelo que é
material (corpo, sexualidade, dimensão social da fé...). Nas
"mensagens" tudo aquilo que não está relacionado com o
"espiritual" é tratado com desprezo.
A salvação não tem nenhuma dimensão cósmica, material como afirma Paulo
( Rom 8,18-25), pois as coisas materiais não levam ninguém ao encontro de Deus
(# Gn 1,31). O mundo com o qual o cristão não deve conformar-se (Rom 12,2) é o
“espírito de vaidade e malícia que transforma a atividade humana, ordenada ao
serviço de Deus e do homem, em instrumento de pecado” (GS 37).
(8) Rigorismo
moral no campo da sexualidade e do ascetismo. Algumas características
marcantes: a. Constata-se muita
ânsia e muito remorso diante de experiências negativas vividas anteriormente
e o medo do inferno consegue suplantar a
certeza do perdão e da misericórdia de Deus; b. Tendência de reprimir os impulsos biológicos e psíquicos como
se fossem opostos ao ideal da vida espiritual. Esta negação dos impulsos
afetivos mutilam a comunicação e minam a espontaneidade. É fácil encontrar
devotos das "aparições" que, enquanto são rigorosos na moral sexual e
no ascetismo, convivem sem nenhum escrúpulo ao lado de aberrantes injustiças
sociais.
(9) A ausência
da dimensão libertadora da fé cristã. As pessoas que acreditam nas
“aparições” parecem ter “alergia” a toda
ação e pregação da Igreja que tente chamar a atenção dos cristãos para os
deveres relacionados com a justiça social. O seu engajamento reduz-se à
freqüência de grupos “espirituais”, onde há uma prática caritativa bastante
assistencialista, mas incapaz de questionar e incomodar as estruturas que provocam a miséria. Dizem
que basta a conversão do coração! Esta abordagem capenga e deficiente contrasta
profundamente com os aspectos essenciais
da mariologia bíblica (Lc 1,51-53).
(10) Com certeza a
procura desenfreada destes fenômenos “espetaculares” tem motivações profundas
que, a princípio, não devem ser desprezadas. Porém, é preciso considerar o
momento histórico no qual estamos inseridos. Estamos às portas do terceiro
milênio. É uma atmosfera propícia a todo tipo de messianismos, movimentos
esotéricos, teorias esdrúxulas. Ao cristão interessa reconhecer que a fé é uma
realidade viva que deve encarnar-se no cotidiano. A fé não se fundamenta nos
fatos extraordinários (Jo 2,23-24) nem na intrínseca verdade das coisas
conhecidas à luz da razão, mas na autoridade do próprio Deus que se revela
definitivamente na pessoa do Filho Jesus Cristo (Jo 1,14; Gl 4, 4; Hb 1, 1-2).
(Resumo com adaptações do artigo “As ‘aparições’ de Nossa Senhora: uma avaliação teológica” do Pe José L. M. de
Oliveira in REB 56, 1996, pp. 563-597).
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