quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

APARIÇÕES: UMA AVALIAÇÃO TEOLÓGICA



É fato incontestável que as “aparições”  e as “mensagens” atribuídas a Nossa Senhora tem se multiplicado de forma impressionante, nos últimos anos. No entanto, faz-se necessário levantar alguns questionamentos: Como as coisas estão chegando nas comunidades? Quais são as interpretações dadas? Que "clima"  está se criando entre o povo? Será que não está existindo manipulação? O resultado final de tudo isso está sendo a verdade que torna as pessoas realmente livres (Jo 8,32)?
(1) Constatações: inúmeras situações de confusão quer no campo da doutrina quer no campo da práxis. Contribui fortemente para uma visão unilateral da fé cristã. Cria reducionismos, atitudes rigoristas e alienadas.
(2) Necessidade do olhar teológico: os teólogos são acusados de racionalistas. A coerência da fé  exige clareza. O cristianismo não é apenas uma questão de sentimentalismo, de emoções, de busca do "maravilhoso". Ele é também reflexão crítica e realista dos fatos, a fim de que se chegue a provar tudo e ficar com o que é bom (1Tes 5,21). A Igreja sempre rechaçou como herética a posição fideísta  que nega a possibilidade real do conhecimento de Deus e do seu mistério a partir da razão humana.
(3) A idéia de Revelação: a impressão que se tem  é que tais "mensagens" aparecem  até mesmo paralelas à única, definitiva (Jo 1,1-18; Hb 1,1-4). Depois do NT não há mais nada de novo a ser revelado. Aparições e revelações não podem estar em contradição com a Revelação normativa. Dependendo do caso, as aparições, podem ser uma autêntica experiência mística. Mas pode acontecer  também que pretensas aparições não passem de alucinações de pessoas pressionadas por um passado cheio de peripécias, de problemas, remorsos...
(4) As aparições não são objeto de fé. As "mensagens" divulgadas não têm nenhum valor normativo para ninguém mesmo depois de terem sido aprovadas pela Igreja. Na maioria absoluta das pessoas  que acreditam em "aparições" de Nossa Senhora existe a convicção de que elas são objeto de fé. Tal convicção é tão forte  que leva tais pessoas a pensar que duvidar das mesmas  seria um pecado mortal, um ato de apostasia, de rejeição da verdadeira fé.
(5) O reconhecimento da Igreja: na verdade não se trata de aprovação, mas de uma permissão: "a aprovação da Igreja não é uma afirmação infalível. É uma aprovação permissiva, um "nihil obstat". Atesta que não estão de acordo com a fé, os costumes e com a missão da Igreja".
(6) Inflação de "aparições” e de "mensagens". Não há como não permanecer perplexo diante desta constatação. Nos Evangelhos, Maria é a mulher do silencio (# subserviência e omissão). Sua principal  característica é  a escuta e a contemplação. Diante das maravilhas operadas por Deus, não se exibe nem faz alardes. Procura agir sempre de maneira profética. Ao abrir a boca, Maria o faz sempre para tomar a defesa dos fracos e indefesos. Nunca para ameaçar nem coagir ninguém.
(7) Dualismo (= admissão da coexistência de dois princípios eternos, necessários e opostos) com cheiro de maniqueísmo (= insistência em pretender separar o espiritual do material, a Igreja do mundo, alma do corpo). Existe uma verdadeira obsessão com relação demônio. Faz-se alusão ao inferno em termos exasperados e drásticos. O maniqueísmo se manifesta no horror pelo que é material (corpo, sexualidade, dimensão social da fé...). Nas "mensagens" tudo aquilo que não está relacionado com o "espiritual" é tratado com desprezo.  A salvação não tem nenhuma dimensão cósmica, material como afirma Paulo ( Rom 8,18-25), pois as coisas materiais não levam ninguém ao encontro de Deus (# Gn 1,31). O mundo com o qual o cristão não deve conformar-se (Rom 12,2) é o “espírito de vaidade e malícia que transforma a atividade humana, ordenada ao serviço de Deus e do homem, em instrumento de pecado” (GS 37).
(8) Rigorismo moral no campo da sexualidade e do ascetismo. Algumas características marcantes: a. Constata-se muita ânsia e muito remorso diante de experiências negativas vividas anteriormente e  o medo do inferno consegue suplantar a certeza do perdão e da misericórdia de Deus; b. Tendência de reprimir os impulsos biológicos e psíquicos como se fossem opostos ao ideal da vida espiritual. Esta negação dos impulsos afetivos mutilam a comunicação e minam a espontaneidade. É fácil encontrar devotos das "aparições" que, enquanto são rigorosos na moral sexual e no ascetismo, convivem sem nenhum escrúpulo ao lado de aberrantes injustiças sociais.
(9) A ausência da dimensão libertadora da fé cristã. As pessoas que acreditam nas “aparições” parecem ter “alergia”  a toda ação e pregação da Igreja que tente chamar a atenção dos cristãos para os deveres relacionados com a justiça social. O seu engajamento reduz-se à freqüência de grupos “espirituais”, onde há uma prática caritativa bastante assistencialista, mas incapaz de questionar e incomodar  as estruturas que provocam a miséria. Dizem que basta a conversão do coração! Esta abordagem capenga e deficiente contrasta profundamente  com os aspectos essenciais da mariologia bíblica (Lc 1,51-53).
(10) Com certeza a procura desenfreada destes fenômenos “espetaculares” tem motivações profundas que, a princípio, não devem ser desprezadas. Porém, é preciso considerar o momento histórico no qual estamos inseridos. Estamos às portas do terceiro milênio. É uma atmosfera propícia a todo tipo de messianismos, movimentos esotéricos, teorias esdrúxulas. Ao cristão interessa reconhecer que a fé é uma realidade viva que deve encarnar-se no cotidiano. A fé não se fundamenta nos fatos extraordinários (Jo 2,23-24) nem na intrínseca verdade das coisas conhecidas à luz da razão, mas na autoridade do próprio Deus que se revela definitivamente na pessoa do Filho Jesus Cristo (Jo 1,14; Gl 4, 4; Hb 1, 1-2).

  (Resumo com adaptações do artigo “As ‘aparições’ de Nossa Senhora: uma avaliação                                                     teológica” do Pe José L. M. de Oliveira in REB 56, 1996, pp. 563-597).  

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