Muitas
pessoas pedem esclarecimentos acerca da inflação de mensagens e locuções
interiores que vários carismáticos distribuem nas suas cidades e alhures. Será
possível que existam tão grande número de confidentes e sobretudo como
discernir algo verdadeiro neste mar de revelações particulares? Quando depois o
número de visões, aparições, mensagens e locuções interiores se torna muito
grande corre-se o perigo de nivelar todas elas sem perceber as que poderiam ter
um valor maior. Ao mesmo tempo, é importante perceber qual é o mecanismo
psicológico que atua na pessoa
carismática.
O Centro de Estudos está
refletindo sobre este ponto tentando encontrar critérios de discernimento que a
Igreja já propõe e outras eventuais reflexões a respeito que possam ajudar a
discernir tudo isso e a reter somente o que é bom.
Nesta primeira parte vamos nos ajudar com um artigo sobre as
revelações particulares apresentado no Dictionnaire de Spiritualité – Révélations privées – col. 482-492.,
indicando aqui alguns critérios mais simples e tradicionais.
I) O Discernimento das revelações privadas
O
confidente pode ter a certeza da presença de Deus numa revelação privada, mas
como passar esta certeza aos outros? Existem regras e Critérios de
discernimento para reconhecer a autenticidade ou a origem divina deste tipo de
fenômeno e determinar a conduta que deve ter o diretor espiritual.
Os
critérios se referem ao objeto, ao sujeito e aos efeitos das revelações
privadas.
Quanto
ao Objeto:
1- Critério de ordem doutrinal
Antes de
mais nada é preciso confrontar o conteúdo da revelação privada com o ensino
comum da Igreja, sendo excluído que Deus possa contradizer a sua própria
palavra da qual a Igreja é a interprete oficial. Seria fácil então qualquer
revelação privada que vai contra a verdade da fé e/ou dos princípios da moral.
2 – Critério de
originalidade
O
critério anterior não é suficiente sozinho. Deve-se acrescentar também a
profundida-de, o equilíbrio e a originalidade que superem as capacidades
normais da pessoa que diz ter uma revelação privada.
Quanto ao sujeito:
1
– É muito importante o exame das qualidades da pessoa. Do ponto de vista
psicológico: é uma pessoa equilibrada ou revela patologias? Mentalmente julga
retamente as coisas ou deixa transparecer uma imaginação exaltada?
2
– Uma vida moralmente perfeita não é requisito para receber revelações, porque
Deus se comunica a quem quiser. Porém certas falhas constituem um critério
negativo, tais como: Falta de sinceridade, costume de ampliar as coisas ou até
de inventar, a mentira, a indiscrição.
3
– Três virtudes são importantes e constituem critérios positivos:
a) Humildade sincera, b)
obediência que não busca os seus interesses,c) a força de ânimo nas provas e
contradições.
Quanto aos efeitos:
A árvore
se julga pelos frutos: deve-se julgar a revelação privada também pelos frutos
que produz na alma da pessoa: alegria, paz, caridade, santidade.
Conselhos para o diretor
espiritual:
1 – Não deixar-se levar
por uma admiração que conduz a exaltar a pessoa do confidente.
2 – Fazer perceber ao confidente como é fácil se iludir e por isso deve ficar desconfiado.
3 – No começo dos fatos o Padre
Espiritual deve ensinar-lhe a saber rejeitar estas coisas mais do que
acolhê-las.
4 – Ele atuará sempre com compreensão e doçura para
evitar que o confidente se feche em si e, por falta de confiança, deixe de se
abrir.
Tratando de revelações
privadas com público, o julgamento da Igreja levará a ver: a) Ortodoxia da
mensagem; b) sua veracidade; c) a amplidão do movimento coletivo de oração, de
conversão, de autêntico fervor; d) sobre o lugar que os milagres ocupam nas
revelações.
II) O problema do
mecanismo psicológico das revelações:
Para
estabelecer a autenticidade de uma revelação privada não é necessário
estabelecer que o fato é exceção às leis psíquicas naturais.
Até
época recente se aceitava geralmente a tese de que enquanto era possível uma
explicação natural, precisava excluir qualquer explicação sobrenatural. Mas as
revelações não são milagres em sentido estrito, não supõe necessariamente uma
intervenção especial de Deus que suspenda o funcionamento das leis
psicológicas. Deus pode se servir, como de um meio de comunicação, das
possibilidades latentes da imaginação, da inteligência e do subconsciente
projetados no campo objetivo.
O fenômeno seria natural pelo seu mecanismo
psicológico e seria sobrenatural somente pelo impulso da graça atuante, que põe
em movimento a este mecanismo psicológico. Sendo de ordem estritamente
espiritual não poderia ser verificado. A pura psicologia diante de um fenômeno
deste tipo não poderá afirmar de que se trate unicamente de um fato psíquico.
III) O consenso às revelações:
O
consentimento que pedido às revelações particulares, não é um ato de fé divino
como diante do mistério mesmo de Deus, mas somente um consentimento humano. Por
fé humana entende-se em geral uma forma de adesão, não qualquer, mas firme,
porque fundamentada sobre bases comprovadas. Adquirida pelo exercício de nosso
senso crítico, ela revela não a evidência científica mas a certeza moral.
IV) O magistério e as revelações
Por
terem uma repercussão sobre a Igreja, cabe à hierarquia manifestar seu parecer
sobre as manifestações privadas. Quando há a aprovação trata-se habitualmente
de uma aprovação em sentido amplo. O magistério intervém, a título prudencial,
para permitir a divulgação da revelação privada, depois de ter constatado que
não existe nada que possa ser reprovado ou julgado inoportuno. Não há então
obrigação de acreditar.
Bento
XIV “A aprovação dada pela Igreja a uma revelação privada não é outra coisa
senão a permissão dada, depois de um exame exaustivo, de fazer conhecer esta revelação para o bem e a
instrução dos fiéis. A estas revelações, mesmo aprovadas pela Igreja, não se
deve e não se pode dar um consentimento de fé; segundo as leis da prudência
deve se atribuir a elas o consenso da
crença humana, enquanto que tais revelações são prováveis e piedosamente
acreditáveis. Tudo isso num clima de modéstia e sem a intenção do desprezo”.
Jurisprudência estabelecida
pela hierarquia da Igreja:
Em 06.02.1875, a Congregação
dos Ritos responde ao Arcebispo de Santiago de Chile: “As aparições ou
revelações não são nem aprovadas, nem condenadas pela Santa é, mas somente
permitidas como fatos a serem acreditados piedosamente e com a fé humana,
seguindo a que se relaciona e o que confirmam as testemunhas que merecem
credibilidade”. ( Decreta authentica Congregationis Rituum t.3, 1900 n.3336,
p.48)
A mesma resposta para três
bispos que perguntaram a Santa Sé se tinham sido aprovadas as revelações de
Lourdes e Salette.
Pio X na encíclica
“Pascendi” (08.09.1907) “ Acerca do julgamento de piedosas tradições, a Igreja
usa uma tal prudência, que ele não permite que se relate estas tradições nos
escritos públicos, senão com grande precaução. Mesmo neste caso, ela não se faz
garante da verdade de fato. Simplesmente ela não impede de acreditar a coisas às
quais os motivos de fé humana não
faltem” (AAS t.40, 1906-1907, p. 649)
H. Holstein escrevendo
acerca da festa litúrgica de Nossa Senhora de Lourdes afirma: “A igreja não
entende empenhar sua autoridade numa aprovação positiva do fato de Massabielle.
Ela se limita a permitir o culto da Virgem de Lourdes: a instituição da festa
tem somente valor negativo, uma espécie de nihil obstat (nada impede)” (Les
apparitions mariales, dans Maria, t.5, Paris 1955, p.774).
Em casos raros, as
aprovações da Igreja acabaram por dar segurança ao fato: Cf S. Margarida Maria Alacoque e Lourdes,
superando a dimensão de simples
permissão ou de “nihil obstat”.
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