quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

O Discernimento DAS REVELAÇÕES PARTICULARES


               Muitas pessoas pedem esclarecimentos acerca da inflação de mensagens e locuções interiores que vários carismáticos distribuem nas suas cidades e alhures. Será possível que existam tão grande número de confidentes e sobretudo como discernir algo verdadeiro neste mar de revelações particulares? Quando depois o número de visões, aparições, mensagens e locuções interiores se torna muito grande corre-se o perigo de nivelar todas elas sem perceber as que poderiam ter um valor maior. Ao mesmo tempo, é importante perceber qual é o mecanismo psicológico que atua na pessoa  carismática.
           O Centro de Estudos está refletindo sobre este ponto tentando encontrar critérios de discernimento que a Igreja já propõe e outras eventuais reflexões a respeito que possam ajudar a discernir tudo isso e a reter somente o que é bom.
           Nesta primeira parte vamos nos ajudar com um artigo sobre as revelações particulares apresentado no Dictionnaire de Spiritualité  – Révélations privées – col. 482-492., indicando aqui alguns critérios mais simples e tradicionais.

I) O Discernimento das revelações privadas

            O confidente pode ter a certeza da presença de Deus numa revelação privada, mas como passar esta certeza aos outros? Existem regras e Critérios de discernimento para reconhecer a autenticidade ou a origem divina deste tipo de fenômeno e determinar a conduta que deve ter o diretor espiritual.
            Os critérios se referem ao objeto, ao sujeito e aos efeitos das revelações privadas.

            Quanto ao Objeto:
1-      Critério de ordem doutrinal
Antes de mais nada é preciso confrontar o conteúdo da revelação privada com o ensino comum da Igreja, sendo excluído que Deus possa contradizer a sua própria palavra da qual a Igreja é a interprete oficial. Seria fácil então qualquer revelação privada que vai contra a verdade da fé e/ou dos princípios da moral.
2 – Critério de originalidade
O critério anterior não é suficiente sozinho. Deve-se acrescentar também a profundida-de, o equilíbrio e a originalidade que superem as capacidades normais da pessoa que diz ter uma revelação privada.
           
Quanto ao sujeito:

                  1 – É muito importante o exame das qualidades da pessoa. Do ponto de vista psicológico: é uma pessoa equilibrada ou revela patologias? Mentalmente julga retamente as coisas ou deixa transparecer uma imaginação exaltada?
                       2 – Uma vida moralmente perfeita não é requisito para receber revelações, porque Deus se comunica a quem quiser. Porém certas falhas constituem um critério negativo, tais como: Falta de sinceridade, costume de ampliar as coisas ou até de inventar, a mentira, a indiscrição.
                        3 – Três virtudes são importantes e constituem critérios positivos:
a) Humildade sincera, b) obediência que não busca os seus interesses,c) a força de ânimo nas provas e contradições.

Quanto aos efeitos:

            A árvore se julga pelos frutos: deve-se julgar a revelação privada também pelos frutos que produz na alma da pessoa: alegria, paz, caridade, santidade.

Conselhos para o diretor espiritual:

1 – Não  deixar-se levar por uma admiração que conduz a exaltar a pessoa do confidente.
2 – Fazer perceber ao confidente como é fácil  se iludir e por isso deve ficar desconfiado.
3 – No começo dos fatos o Padre Espiritual deve ensinar-lhe a saber rejeitar estas coisas mais do que acolhê-las.
4 – Ele atuará sempre com compreensão e doçura para evitar que o confidente se feche em si e, por falta de confiança, deixe de se abrir.

Tratando de revelações privadas com público, o julgamento da Igreja levará a ver: a) Ortodoxia da mensagem; b) sua veracidade; c) a amplidão do movimento coletivo de oração, de conversão, de autêntico fervor; d) sobre o lugar que os milagres ocupam nas revelações.


II) O problema do mecanismo psicológico das revelações:

            Para estabelecer a autenticidade de uma revelação privada não é necessário estabelecer que o fato é exceção às leis psíquicas naturais.
            Até época recente se aceitava geralmente a tese de que enquanto era possível uma explicação natural, precisava excluir qualquer explicação sobrenatural. Mas as revelações não são milagres em sentido estrito, não supõe necessariamente uma intervenção especial de Deus que suspenda o funcionamento das leis psicológicas. Deus pode se servir, como de um meio de comunicação, das possibilidades latentes da imaginação, da inteligência e do subconsciente projetados no campo objetivo.
             O fenômeno seria natural pelo seu mecanismo psicológico e seria sobrenatural somente pelo impulso da graça atuante, que põe em movimento a este mecanismo psicológico. Sendo de ordem estritamente espiritual não poderia ser verificado. A pura psicologia diante de um fenômeno deste tipo não poderá afirmar de que se trate unicamente de um fato psíquico.


III) O consenso às revelações:

            O consentimento que pedido às revelações particulares, não é um ato de fé divino como diante do mistério mesmo de Deus, mas somente um consentimento humano. Por fé humana entende-se em geral uma forma de adesão, não qualquer, mas firme, porque fundamentada sobre bases comprovadas. Adquirida pelo exercício de nosso senso crítico, ela revela não a evidência científica mas a certeza moral.

  
IV) O magistério e as revelações
 
            Por terem uma repercussão sobre a Igreja, cabe à hierarquia manifestar seu parecer sobre as manifestações privadas. Quando há a aprovação trata-se habitualmente de uma aprovação em sentido amplo. O magistério intervém, a título prudencial, para permitir a divulgação da revelação privada, depois de ter constatado que não existe nada que possa ser reprovado ou julgado inoportuno. Não há então obrigação de acreditar.
            Bento XIV “A aprovação dada pela Igreja a uma revelação privada não é outra coisa senão a permissão dada, depois de um exame exaustivo, de fazer  conhecer esta revelação para o bem e a instrução dos fiéis. A estas revelações, mesmo aprovadas pela Igreja, não se deve e não se pode dar um consentimento de fé; segundo as leis da prudência deve se atribuir a elas o consenso  da crença humana, enquanto que tais revelações são prováveis e piedosamente acreditáveis. Tudo isso num clima de modéstia e sem a intenção do desprezo”.
           
Jurisprudência estabelecida pela hierarquia da Igreja:

Em 06.02.1875, a Congregação dos Ritos responde ao Arcebispo de Santiago de Chile: “As aparições ou revelações não são nem aprovadas, nem condenadas pela Santa é, mas somente permitidas como fatos a serem acreditados piedosamente e com a fé humana, seguindo a que se relaciona e o que confirmam as testemunhas que merecem credibilidade”. ( Decreta authentica Congregationis Rituum t.3, 1900 n.3336, p.48)
A mesma resposta para três bispos que perguntaram a Santa Sé se tinham sido aprovadas as revelações de Lourdes e Salette.
Pio X na encíclica “Pascendi” (08.09.1907) “ Acerca do julgamento de piedosas tradições, a Igreja usa uma tal prudência, que ele não permite que se relate estas tradições nos escritos públicos, senão com grande precaução. Mesmo neste caso, ela não se faz garante da verdade de fato. Simplesmente ela não impede de acreditar a coisas às quais  os motivos de fé humana não faltem” (AAS t.40, 1906-1907, p. 649)

H. Holstein escrevendo acerca da festa litúrgica de Nossa Senhora de Lourdes afirma: “A igreja não entende empenhar sua autoridade numa aprovação positiva do fato de Massabielle. Ela se limita a permitir o culto da Virgem de Lourdes: a instituição da festa tem somente valor negativo, uma espécie de nihil obstat (nada impede)” (Les apparitions mariales, dans Maria, t.5, Paris 1955, p.774).

Em casos raros, as aprovações da Igreja acabaram por dar segurança ao fato: Cf     S. Margarida Maria Alacoque e Lourdes, superando a dimensão  de simples permissão ou de “nihil obstat”.


V. Sentido das revelações particulares

 
            O sentido das revelações particulares, na Igreja, se descobre pela finalidade destes fatos, a qual não se identifica com a manifestação de uma verdade doutrinal, mas é uma orientação prática, uma direção dada à atividade humana numa situação concreta particular da vida das pessoas.
João XXIII, falando sobre o centenário de Lourdes, dizia: ‘ Os papas se fazem um dever de recomendar à atenção dos fiéis – quando por um maduro exame eles o julguem oportuno para o bem geral – as luzes sobrenaturais que Deus quer dispensar livremente a certas almas privilegiadas, não porque propõem doutrinas novas, mas para guiar nossa conduta’ (AAS, t.51,  1959, p. 144)
Sem dúvida, o aspecto doutrinal não é excluído das revelações particulares. Quando chamam a atenção sobre certas verdades da doutrina cristã, não é para acrescentar algo ao depósito da fé, mas para fazer penetrar no mistério de Deus da forma mais conveniente à vida de caridade ou para pôr em luz alguma verdade esquecida ou  muito pouco conhecida.
Sempre são um estímulo para uma vida espiritual mais séria, mais intensa, que busca crescer na fé e no amor a Deus ou a lançar-se para obras apostólicas e de caridade. Também se tornam apelos de conversão, à penitência.
Importante destacar a influência de certas revelações sobre a vida da Igreja, especialmente sobre a fé, a oração, os sacramentos, a eucaristia...

Certos ambientes que se precipitam sobre estes fenômenos extraordinários, de forma agoniada, revelam uma necessidade subjacente de reencontrar o divino e, ao mesmo tempo, manifestam insatisfação por uma religião convencional demais! Por outro lado, outros manifestam uma reação excessiva de desconfiança e de hostilidade (R. Lourentin, Fonction et statut des apparitions, RSPT, t.52, 1968, p. 529-530)
O bom uso das revelações particulares consiste na superação destas duas atitudes.

Salvador, 12 de março de 2001

 

                                                   Centro de Estudos do M.C.

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