segunda-feira, 28 de novembro de 2011

CRITÉRIOS DE DISCERNIMENTO


               Apresentamos um resumo de dois capítulos do livro: ‘Les révélations dans l’Église’ de Laurent Volken, Mulhouse, Editions Salvator, 1961. O autor, padre saletino, escreveu este livro quando residia em Roma, no Colégio Saletino. Estes dois capítulos, o sexto e o sétimo, podem ajudar a orientar-se no discernimento de presumidas aparições ou revelações.


                Jesus mesmo afirmava que haveria falsos profetas, que fariam grandes prodígios para seduzir os eleitos:“Então se alguém vos disser: Olha o Cristo aqui ou ali, não creiais. Pois hão de surgir falsos cristos e falsos profetas, que apresentarão grandes sinais e prodígios de modo a enganar, se possível, até mesmo os eleitos. Eis que eu vo-lo predisse” (Mt 24,23-24).

                Como, então, conseguir fazer um discernimento de tais fatos? Não é fácil, mas também não é impossível. Deus oferece aos seus filhos critérios que permitem discernir as revelações verdadeiras das falsas ou diabólicas. Antes, porém, de pensar em algo diabólico, temos que ver se o caso se situa entre as forças da natureza (clarividência, telepatia, etc) ou entre as fraquezas humanas (histeria, esquizofrenia, etc). Neste segundo caso, em casos extremos, recorre-se também ao exorcismo.

CRITÉRIOS INTRÍNSECOS DE DISCERNIMENTO

                O discernimento é um dos dons que S. Paulo  cita na enumeração dos carismas (“a outro, o poder de fazer milagres; a outro, o discernimento dos espíritos...” Cor 12,10).

                Sem um dom especial, não se pode fazer um discernimento seguro.

"Quem, pois, dentre os homens conhece o que é do homem, senão o espírito do homem que nele está?  Da mesma forma, o que está em Deus, ninguém o conhece senão o Espírito de Deus. Quanto a nós, não recebemos o espírito do mundo, mas o Espírito que vem de Deus, a fim de que conheçamos os dons da graça de Deus” (1Cor 2,11-12).

                Para chegar ao discernimento, há um caminho carismático, mas há também a indagação humana, iluminada pela fé. Em vista do discernimento, consideram-se estes critérios intrínsecos:

1. O conteúdo das revelações


                Deve-se averiguar se o conteúdo de uma revelação é conforme à doutrina da Igreja Católica. Pode-se rejeitar a priori toda revelação cujo conteúdo seja contrário à doutrina da Igreja.

                “Não acrediteis em qualquer espírito, mas examinai os espíritos para ver se são de Deus, pois muitos falsos profetas vieram ao mundo. Nisto reconheceis o espírito de Deus: todo espírito que confessa que Jesus Cristo veio na carne  é de Deus; e todo espírito que não confessa Jesus não é de Deus;  é este o espírito do anticristo. Dele ouvistes dizer que ele virá e agora ele já está neste mundo”(1Jo 4,1-3).

                Este critério não é fácil, pois sempre existem visões teológicas, posições pessoais, maneiras diferentes  de pensar a questão. Também é bom ter presente a lei da adaptação divina à vida humana da pessoa, para discernir o verdadeiro sentido da revelação.

                Lembrar também que o texto apresentado como uma revelação  e que não contém nada contra o ensinamento da Escritura e da Tradição, não constitui uma prova para a autenticidade de uma revelação.

2.  Os critérios da pessoa que recebe a revelação

                “Quid recipitur,  ad modum recipiendi recipitur” diziam os antigos, isto é, "O que se recebe, é recebido conforme o modo de ser de quem o recebe."

                Toda comunicação humana sofre uma mudança do sujeito em que atua e para chegar ao discernimento é necessário perceber até onde chega a mudança da coisa comunicada. "Ficou intacta a substância da comunicação?" Somos forçados a analisar, então, aspectos particulares da pessoa sujeita a revelações, quais por exemplo:

a) aspecto fisiológico

                Não se podem admitir critérios discriminatórios, como por exemplo ser mulher, ter pouco estudo, ser de condições sociais baixas, etc. A diversidade de sexo ou de outra coisa não exige critérios diferentes de discernimento.

                Outros fatores podem intervir no discernimento do ponto de vista físico, por exemplo:

                a doença: não é verdade que uma doença psíquica seja necessariamente uma prova contra a autenticidade de uma revelação, mas há doenças que a excluem como o mal de Parkinson e lesões cerebrais, que causam alucinações auditivas;

                a idade: numa criança não se consegue pensar um desdobramento de personalidade, mas poderia existir algo psicológico. (Cf.. aspecto psicológico).

b) aspecto psicológico

                O diagnóstico  médico, que confirma a perfeita saúde e equilíbrio psicológico do sujeito que apresenta uma revelação extraordinária, constitui um elemento positivo para um julgamento favorável.

                Não só sintomas patológicos, mas também aspectos normais de psicologia podem influir no discernimento, como,

Não só sintomas patológicos, mas também aspectos normais de psicologia podem influir no discernimento, como, por exemplo, uma inteligência aguda ou uma fantasia exuberante. Atenção quando o sujeito tem uma vontade demasiada de aparecer ou de destacar-se.

                É bom desconfiar dos confidentes, que possuem uma instabilidade de constituição psicológica, uma hiper-sensibilidade, uma excessiva impressionabilidade.

                Também a mentira é critério negativo, quer nasça de um fator psíquico, quer se manifeste como ato de ordem moral.

c) aspecto moral

                Para receber uma revelação  de Deus não se exige uma vida moralmente perfeita. Graves defeitos morais são sinais desfavoráveis, mas não constituem um critério negativo.

Alguns defeitos, porém, o constituem como a mentira e talvez a indiscrição, mas a mentira sem dúvida. Deus não pode revelar-se num coração mentiroso.

Três virtudes, sobretudo, chamam a atenção positivamente:

                A humildade, sentir-se pequeno diante de Deus e sincero e justo com os irmãos.

                A fortaleza, para resistir a oposições, calúnias, tentações, ameaças, fofocas, etc.

                A obediência, que não busca seus próprios interesses, mas obedece a Deus e à Hierarquia da Igreja.

3. Os critérios das circunstâncias

                Também as circunstâncias nas quais acontece uma revelação são importantes para um discernimento de presumidas aparições. Assinalam-se:


1. A finalidade: verificar as intenções do confidente, seguir a revelação sem interesse próprio, sem proveito pessoal, sem querer aparecer,  sem querer conseguir destaque na sociedade, nem vantagens materiais.
 
2. A forma: não se consideram revelações onde aparecem coisas ou pessoas deformadas (deformação moral, atitudes falsas, maneiras indecentes..)

 3. A maneira: o discernimento será o mesmo, ainda que a revelação se dê pelos sentidos externos, pela imaginação ou pela inteligência. Uma revelação sob forma de sonho deixa pouca garantia para um discernimento positivo.

 4.  O tempo: nenhum tempo especial é reservado para a revelação, podendo ser ao dia ou à noite, à luz do sol ou na escuridão da noite. De dia parece melhor porque durante à noite a impressionabilidade parece ser maior. Importante considerar também o momento histórico em que se realiza a aparição.

 5. O lugar: não há lugar fixo ou reservado para uma aparição ou uma revelação , embora a Igreja, por si, seria o lugar mais indicado.

 6. Outras modalidades: podem acontecer coisas maravilhosas, fenomenos diferentes na natureza. Também estas coisas podem ser consideradas, embora nenhuma delas, por si, seja um elemento positivo de discernimento.

CRITÉRIOS EXTRÍNSECOS

 Consideram-se sobretudo dois critérios extrínsecos no discernimento de uma aparição: o milagre e a autoridade da Igreja.


1. Os milagres, como critério no discernimento

                Entende-se como milagre um fato sensível, realizado por Deus, que supera as forças da natureza, isto é, apresenta-se como obra de Deus que supera toda possibilidade da criatura.
        
                Também para Jesus os milagres eram um sinal externo para comprovar a sua missão:

 “Se não faço as obras de meu Pai, não acrediteis em mim; mas,se as faço, mesmo que não acrediteis em mim, crede nas obras, a fim de conhecerdes e conhecerdes sempre mais que o Pai está em mim e Eu no Pai” (Jo 10, 37-38). 

“Eu porém tenho um testemunho maior que o de João: as obras que o Pai me encarregou de consumar. Tais obras eu as faço e elas dão testemunho de mim." (Jo 5, 36-37).

                É neste mesmo sentido que se pronuncia a Igreja quando no Concílio Vaticano Iº afirma:          

“Deus quis acrescentar à ajuda interior do Espírito Santo, as provas externas de sua revelação, que são os fatos sobrenaturais e, de forma particular, os milagres e as profecias. São provas muitos seguras e apropriadas à inteligência de todos porque manifestam de maneira excelente a onipotência de Deus e a sua ciência infinita” (Denz. 1790).

                Isto se aplica à Revelação, mas, com as devidas proporções, esta mesma lei se aplica a aparição particular. Se Deus quer agir de forma extraordinária sobre os homens por meio destas revelações, oferece também  provas, entre as quais os milagres têm um lugar de importância toda especial.

                S. Tomás afirma: “Todo milagre é um testemunho. Às vezes, é um testemunho para a verdade, que se anuncia; outras vezes, é um testemunho para a pessoa que o realiza. Ora, todo milagre é realizado unicamente por Deus... O milagre é garantia da verdade mais do que a santidade da pessoa que o anuncia... Os milagres são sinais sensíveis para manifestar uma verdade..”

                Duas condições para o milagre poder ser critério de discernimento:

1. E' preciso que seja verdadeiro

2. Que seja realizado como testemunho da aparição:

a) A veracidade do milagre supõe que este possa ser discernido, pois os milagres são mais facilmente discerníveis que as revelações, sendo indicados pelo Concílio Vaticano Iº como “muito seguros e aptos à inteligência de todos” (Denz. 1790)

b) A aprovação da Hierarquia. Não é suficiente que um milagre aconteça no lugar da aparição para ser considerado prova de autenticidade desta. Mas se for aprovado pela Hierarquia da Igreja, torna-se outro critério positivo de discernimento.

 2. A autoridade da Igreja

            Se o Magistério da Igreja declara que os fiéis podem, com fundamento, acreditar numa aparição como autêntica, não há obrigação de acreditar nela. Porém. tal declaração é, sem dúvida, uma garantia  muito segura da autenticidade e pode ter um grande valor como critério de discernimento.

             Geralmente parece que a Santa  Sé nem aprova, nem condena, mas assume uma atitude de permissão. Mas a Santa Sé menciona aparições  como fatos autênticos, porque declarados assim e comprovados pela autoridade diocesana.

           A autoridade eclesiástica nem sempre adotou a mesma atitude no tocante as revelações ou aparições particulares. Usam-se, sobretudo, os critérios do papa Bento XIV, que ainda hoje orientam os processos de comprovação de milagres para a canonização dos santos.


A RESPONSABILIDADE DOS MINISTROS DA IGREJA

                É muito grande a responsabilidade da Hierarquia da Igreja no tocante a revelação ou a aparição particular. É preciso que ela estude e conheça bem as melhores normas de discernimento.

               Eis as principais:

                1. Não é preciso demonstrar especial interesse nem com o confidente, nem com suas revelações, nem demonstrar admiração, sobretudo se for o confessor do confidente. Ainda menos pedir a ele que consulte o Senhor sobre aspectos de sua vida ou da dos outros. Estas perguntas, diz S. Teresa, nem  agradam a Deus, nem Ele as quer (Cf Subida II,n.7-8).  Pode ser fácil e perigoso deixar-se guiar pelos confidentes.

                2. Nem por isso o padre espiritual do confidente deve agir com severidade  ou com dureza, mas ter uma atitude de acolhida e de bondade, permitindo que as almas possam confiar e se abrir.

                3. Não deve apressar-se para dar um parecer ou um julgamento, mesmo que o confidente queira logo uma resposta clara e precisa. Nada de precipitação, mas se fique observando tudo.

                4. A oração: é preciso rezar e fazer rezar, unindo a penitência à oração. Com a luz do Espírito Santo se entende melhor o que vem de Deus.

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